Quando damos à luz um filho, há uma série de outras coisas que nascem connosco. A nossa vida ganha uma dimensão de tal forma transbordante e avassaladora que não chegamos a caber dentro de nós. Como se o mesmo corpo e a mesma alma que antes tínhamos não chegassem para abarcar a nova forma de pensar, de sentir, de dizer… agora muito maiores, mais profundas e inquietantes. Há sem dúvida um processo kafkiano nesta experiência, que nos reprograma, reestrutura, reinventa. Ao longo da gravidez, somos confrontados – mãe e pai – com as observações dos que já são pais: “A vossa vida vai mudar muito! Para melhor! Não há nada tão compensador como ter um filho…”. E, embora parecendo uma verdade de la Palice, a verdade é que quando somos nós os protagonistas damo-nos imediatamente conta de que é mesmo VERDADE. A forma como um filho nos preenche a vida desde que existe, mínimo, na barriga… é desconcertante. E o seu nascimento consiste, provavelmente, no eterno retorno personificado. É que não me parece que haja experiência nesta vida que nos garanta um retorno e uma liquidez tão óbvios. Um filho simboliza afinal a materialização e a ampliação da Família, o projeto mais transversal e inteiro que a vida nos proporciona.
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