Perdemos, muito recentemente, uma figura importantíssima da edição de livros em Portugal, o cofundador da Livros Cotovia, André Jorge. Ao que parece, mais uma pessoa que a inqualificável e enfurecida doença apanhou, no dealbar dos 70 anos de idade.

A língua portuguesa e todos os que através dela comunicamos – todos sem exceção – ficamos a dever e muito a André Jorge. Este editor publicou pela primeira vez em Portugal alguns dos nomes de prestígio internacional que nunca tinham chegado traduzidos para o português às nossas mãos. Também se notabilizou pelos “novos” da literatura portuguesa, num contributo rico de acréscimo de valor ao património cultural português.

Ensaios, poesia, textos dramatúrgicos. Os clássicos, em edições renovadas e de uma enormíssima qualidade. Foram muitas as obras que André Jorge introduziu em Portugal com o seu crivo tão peculiar. Às propostas aparentemente mais arriscadas que lhe chegaram, respondeu com um sim redondo, sem reservas. Quando o tradutor, escritor e ensaísta Frederico Lourenço lhe propôs a publicação da tradução, do grego, da Odisseia de Homero, André Jorge não hesitou. Parece até que terá sido o livro mais vendido até hoje pela Cotovia. É uma edição linda, em capa dura, à qual se seguiu a da Ilíada, nos mesmos moldes.

Nestes últimos dias de vida, andava de roda dos dois romances entretanto publicados de Marcelo Mirisola, um escritor brasileiro com 18 títulos do lado de lá do Atlântico, mas com um carimbo de controvérsia que lhe foi incrustado pelos pares e figuras proeminentes do meio. Por cá, André Jorge arriscou, mais uma vez. O azul do filho morto e Bangalô são os livros já disponíveis de Mirisola. Mais um desafio que a Cotovia, leia-se o André Jorge, nos faz.

E fê-lo sempre com o brilho da discrição que as almas nobres preservam. Essa é a pedra de toque. Discrição, não porque não fosse notada a sua existência, mas porque se arredava de imposições economicistas e publicava para públicos muito reduzidos, mas com valor, exigentes. Com a tónica centrada num grande amor (talvez assim o possamos chamar) pela literatura. A meu ver.


PS: Para mim, entre os títulos publicados por André Jorge, têm um gosto ainda mais peculiar a Ilíada e a Odisseia. Estava o meu filho prestes a nascer e, entre as tantas coisas que preparamos para a chegada de um bebé, fiz questão de incluir a compra dos dois poemas épicos gregos, na altura acabados de sair numa nova edição da Cotovia. Dei-me conta de que não os tinha em casa e queria que eles fizessem desde sempre parte da nossa biblioteca. Como fazem desde sempre parte da nossa cultura.

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