Voltei a crispar a rotina, num destes últimos finais de tarde, para assistir a mais uma entrevista de Luís Osório, no seu ciclo entretanto já terminado “30 portugueses, um país”. Desta vez, as perguntas seguiram para Rita Blanco, reputada atriz portuguesa. No seu estilo irreverente, talvez mais irreverente ainda do que alguma vez me lembro nela. É que na gigante maturidade que ganhou nos seus diferentes papéis na TV, no cinema e no teatro, podemos esquecer-nos da visão cáustica ou caricatural com que nos chegava aos nossos televisores n’A Noite da Má Língua, nos idos anos 90.
Esta foi uma conversa hilariante, que passou pelo famigerado telefonema do Presidente da República à apresentadora de TV Cristina Ferreira, na estreia do seu novo programa, na SIC. Foi a Manuel Alegre, Michel Houellebecq. Passou pela tourada, numa contestação firme ao desrespeito pelos animais. Voltou aí a Manuel Alegre. E nesse contexto Rita Blanco confessou não votar no PAN, alegando que «as eleições, hoje em dia, não são para votarmos naquilo que queremos».
Luís Osório interpelou-a, explicitamente, a propósito da língua afiada d’A Noite da Má Língua. Rita Blanco posicionou-se: «eu adoro dizer bem de tudo, mas estás a perguntar-me só sobre coisas horríveis». «O que gostas na vida, Rita?», arrepiou Luís Osório numa tentativa de lhe arrancar respostas mais doces. «Gosto imenso de pessoas, palavra de honra. Eu só sou atriz por causa das pessoas». «Adoro animais, adoro a natureza, adoro livros, adoro arte». Sobre suportar a ideia de morrer, a atriz diz-nos: «suporto, perfeitamente». E avança para o lugar comum: «morrer faz parte». «Adoraria ser o bobo da corte», reconhece numa outra passagem magistral em que se confessa mal tratada pela classe política em geral, à qual fervorosamente aponta falta de poder de encaixe.
Referenciou o filme A Educadora de Infância, com realização de Sara Colangelo, como um modelo na cinematografia. «Há muito tempo que não via uma câmara tão sedutora. Aquilo é de uma perfeição, de uma firmeza», disse abismada. Rita Blanco admitiu cingir-se preferencialmente ao seu retângulo português para representar. Não se vê lá fora.
Sobre como se é atriz, atirou-nos com a frontalidade que lhe é inerente que é sempre a Rita a fazer uma personagem ou outra. Sempre. E que quando representa o papel da vida, não está no palco: «ser mãe». A vida… «que é uma representação da vida», rematou num embrulho filosófico no fim da conversa, numa habilidade notória para sair do papel de atriz e entrar no da realidade, e vice-versa.
Em todo o ciclo, tive o privilégio de assistir às entrevistas a Tiago Rodrigues, Maria João Avillez, Mafalda Ribeiro e Rita Blanco. Foram poucas, mas muito boas. E em todas elas singrou a oportunidade de escutar uma conversa na sua verdadeira aceção, num feliz contraciclo com a vertigem das mensagens curtas com que hoje fingimos conversar. Num apego a um tipo de comunicação que já não se pratica, porque – dizem – não há para isso tempo neste tempo em que se valoriza menos a direção do que a velocidade.
Muito obrigada, Luís Osório, por nos trazeres a bússola.
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