PERGUNTA 3 | Eduardo Lourenço diz que «tudo se passa na nossa aldeia». Como vês a nossa casa comum?

[Para um conjunto de perguntas colocadas pelo Entre | Vistas, que vão sendo progressivamente anunciadas, a autora, consultora de inclusão e palestrante Mafalda Ribeiro dá respostas, prometendo provocar-nos, incitar-nos, contagiar-nos. Esta Parte III encerra um conjunto de três perguntas dentro do “chapéu” temático da casa, esse lugar que habitamos e somos. Uma nova temática a anunciar em breve dará oportunidade a mais um conjunto de três perguntas e três respostas. É a rubrica Pelas Lentes da Mafalda Ribeiro].


Vejo a nossa casa comum com os óculos da esperança de que mais cedo ou mais tarde vamos despertar para o que significa realmente como humanidade estarmos a viver todos no mesmo “edifício”, que é o planeta Terra. Preciso dessas lentes que me dão uma visão diferente, crente num amanhã melhor, da atualidade que o real das notícias nos tem trazido.

Estamos constantemente a ouvir ou a ler a frase “depois disto vamos aprender lições e tornarmo-nos melhores pessoas”. A promessa vem quase sempre agarrada a tempos de crise. Foi assim mal nos vimos a braços com uma pandemia desconhecida, há dois anos. É assim quando na individualidade estamos no alto mar de uma tempestade pessoal, uma doença, uma perda ou uma mudança drástica. A pergunta é: precisamos mesmo de chegar a um aparente fim de linha para nos rendermos ao que precisamos mudar? E nessa sensação de “agora ou nunca”, cumprimos verdadeiramente essa promessa?

É que se o mundo é uma aldeia, continuamos a comportar-nos como se vivêssemos numa grande cidade, onde não conhecer é sinónimo de não existir. Sinto que mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, mas continuamos todos, volta na volta, a fazer de conta que vivemos em ilhas muito distantes umas das outras.

Não generalizando, acredito que as transformações interiores acontecem, mas o reflexo delas normalmente fica confinado aos nossos círculos de intimidade. Com a desculpa de que o desconhecido para nós há-de ser conhecido para alguém e, portanto, esses saberão o que fazer.

É que se o mundo é uma aldeia, continuamos a comportar-nos como se vivêssemos numa grande cidade, onde não conhecer é sinónimo de não existir. Sinto que mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, mas continuamos todos, volta na volta, a fazer de conta que vivemos em ilhas muito distantes umas das outras. Esta noção de aldeia global só dá jeito quando serve para satisfazer as nossas necessidades, porque se assim não for as palavras de ordem são “eu” e “eles”, em vez de “nós”. Aqui reside o que se teima em continuar a confundir: integração e inclusão não são a mesma coisa. Habitamos o mesmo planeta e somos feitos da mesma espécie, a humana. Isso devia bastar-nos para percebermos que as nossas ações (e não ações) têm impacto sim na vida dos que nos rodeiam e na vida de alguém que possamos nunca vir a saber o nome, mas vive debaixo do mesmo céu do que nós. E nós estaremos de forma inversa também dependentes de comportamentos que não são nossos.

Na nossa casa comum é preciso que haja espelhos que nos mostrem que nós estamos nessa casa, muito mais do que de visita.

Considerando a ilha como metáfora, tal como escreveu Saramago: «é necessário sair da ilha para ver a ilha, que não nos vemos se não saímos de nós, se não saímos de nós próprios». Na nossa casa comum é preciso que haja espelhos que nos mostrem que nós estamos nessa casa, muito mais do que de visita. Pertencemos-lhe. Paralelamente, se nos projetássemos mais, quando saímos de nós, e mesmo que até venhamos de um lugar de pouco altruísmo, tenho a certeza de que a consequência seria uma empatia muito mais orgânica no relacionamento que teríamos com todos os habitantes desta mesma casa.


Sobre a Mafalda Ribeiro

A pergunta que se faz a ela própria não é «Porquê eu?», mas «Para quê eu?». Endereça a sua maior inquietação à finalidade e à missão. Como quem está ao serviço de. Tem o corpo pequenino de criança que a doença rara congénita Osteogénese Imperfeita (conhecida como a “doença dos ossos de vidro”) lhe legou. A cadeira de rodas que a transporta não é, no entanto, um obstáculo intransponível. É um veículo para chegar mais longe. Possui mais de uma centena de fraturas no corpo de palmo e meio, mas desconcertante, pelo humor, a rapidez de raciocínio e a audácia. É uma comunicadora nata e é chamada a falar como palestrante motivacional, certificada em Storytelling e Coaching Internacional. Se fosse uma música, seria um samba, pela alegria. O batom vermelho é a sua imagem de marca e o sorriso o seu cartão de visita!


+ Informação Mafalda Ribeiro

Pelas Lentas da Mafalda Ribeiro - Parte III 72

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