Ana Moreira
AAna Moreira viu pela primeira vez a luz do dia, corria o ano de 1980, na Póvoa de Varzim, mas foi na cidade atlântica mais a norte de Portugal, Viana do Castelo, que se integrou e cresceu desde os primeiros dias de vida. Cheia de fôlego, brada aos céus o orgulho de pertencer ao norte. Com 18 anos, rumou a Lisboa para integrar o curso de licenciatura em Comunicação Social, na Universidade Católica Portuguesa, que concluiu com um estágio na Rádio Renascença. Aí identificou a sua paixão inequívoca pela rádio, mas rapidamente percebeu que a verdadeira vocação apontaria mais para a animação e o entretenimento e menos para o registo informativo. Era, de facto, aquele o caminho. Animar Portugal, através da voz, na rádio. Recebeu, pouco tempo depois, um convite para integrar a equipa da CidadeFM, onde inaugurou carreira como locutora. Seguiram-se as manhãs da Rádio Comercial, a condução do programa Janela Aberta com inúmeras personalidades a entrevistar, no Rádio Clube Português, e a M80, onde hoje é possível ouvir a sua voz. Seguindo uma paixão clubística antiga, Ana Moreira empresta ainda a sua voz e também a sua imagem à televisão e, desde há cinco anos, colabora regularmente com a BTV, em programas que vão além das quatro linhas, encontrando-se neste momento a apresentar o TOP do Craque. Enriqueceu a sua formação académica com um curso de mestrado em Ciências da Comunicação, de onde saiu com uma dissertação sobre artigos e ideias vintage, a colar com o que faz na M80. Em todas as vertentes, Ana Moreira rege-se pela música, a sua linha mestra. É na rádio que mostra com paixão e uma consistente irreverência a sua pronúncia do norte, com a qual aceitou, generosamente, ficar Entre Vistas.
É literalmente uma mulher do norte e expressa-o com orgulho. Que traços/características ganhou a norte?
Acho que há um traço comum a quase todas as mulheres do norte: temos a mania de que mandamos em tudo! Ou, melhor dizendo, gostamos de criar a infraestrutura que permite que tudo à nossa volta seja controlável. Não no sentido obsessivo, atenção. Mesmo a nível familiar, a mulher nortenha, minhota, do douro litoral ou, até, a trasmontana, é a ministra das finanças, a ministra do território ou, mais do que isso, chega a ter os ministérios todos lá em casa. O homem, neste quadro, é fundamental, mas a mulher gosta de fazer tudo ao seu jeitinho! A mulher do norte é muito opinativa, defende a sua visão desde o primeiro momento. Se se esbarra contra as convicções de uma mulher do norte ou se se diz alguma coisa conta o norte, ela insurge-se imediatamente. Ela não fica para embrulhar ou manipular o outro ou fazer com que o outro se renda a ela. Ela mostra o que é, goste-se ou não. E se alguém desilude uma mulher do norte… acabou! Nunca mais [risos]. A desilusão é tão dolorosa, que pode significar o fim de um relacionamento de anos. É que a mulher do norte dá sempre tudo…
A mulher do norte é uma mordoma, é aquela mulher que, não em jeito de ostentação, tem os seus ouros de família e desfila com o nariz empinado.
Volta a Viana do Castelo sempre que pode? Para desindustrializar…
Eu sou vianense dos quatro costados! E regresso sempre que posso. É claro que os 400 km que separam Lisboa de Viana [do Castelo] pesam e, por isso, não vou tantas vezes quanto desejaria. Mas permanece em mim uma sensação muito típica dos emigrantes, que é a saudade da minha casa, das minhas raízes. Ali todos os cantos têm uma história, onde eu lanchava quando saia da escola, onde andava na natação… É mesmo português. É uma dor, é uma saudade, é uma felicidade, é tudo ao mesmo tempo. Jamais, em tempo algum, poderei virar as costas a Viana [do Castelo]. Um dia, quando tiver um filho, não sei se não vou convencer a minha cara-metade a ter o bebé em Viana [do Castelo]! Aquela cidade tem qualquer coisa de mágico no seu DNA: o mar, o rio, Santa Luzia, Nossa Senhora da Agonia, o ouro, os trajes, a mordoma… Aliás, falávamos da mulher do norte… A mulher do norte é uma mordoma, é aquela mulher que, não em jeito de ostentação, tem os seus ouros de família e desfila com o nariz empinado. Os lenços de Viana [do Castelo] são atados em cima e isso é um símbolo evidente da não subjugação. Não há nada abaixo do queixo.
É altiva?
Exatamente. É altiva, é vaidosa. É como o ouro. Viana do Castelo gosta de se mostrar, está sempre limpinha, sempre arranjada. Por todas estas razões, preciso de lá ir muitas vezes. Além de que, é lá que está a minha família…
Como recorda a sua chegada a Lisboa, aos 18 anos, para estudar Comunicação Social?
Eu chego a Lisboa com as palavras da minha mãe a cintilar na cabeça: «Não deixes que te pisem ou que gozem com a tua pronúncia». Quando entrei na [Universidade] Católica [Portuguesa], exponenciei um pouco essa altivez, como método de defesa. Se dizia sapatilha, bico de pato (que é, para os lisboetas, o pão de leite), pingo, cruzeta ou sertã, por exemplo, já estava a prever que gozassem comigo. Mas defendia-me com palavras prontas: «Isso só demonstra uma enorme ignorância para com a diversidade e a riqueza do nosso país». Ou, então, dizia: «Gostas de passar férias em Moledo e estás a gozar com a minha pronúncia!». E, de facto, essa altivez assustou algumas pessoas, mas ao mesmo tempo filtrou-as. Depois, mais à frente, também passei pela fase: «Fala um bocadinho para eu ouvir!». Na verdade, também nunca tive uma pronúncia assim tão carregada. Mas tenho nela um enorme orgulho! E, quando cheguei a Lisboa, afinal, esperava-me um mundo totalmente novo. Nos primeiros quinze dias, já estava integradíssima, já tinha amigas lá em casa (havia a vantagem de eu estar a viver sozinha em Lisboa). Desde então, estou rendida a Lisboa. Apaixonei-me pela cidade.
Ao optar por este curso, já ia com a rádio fisgada?
Não. Aconteceu tudo muito de repente. No início, eu queria era ser repórter de guerra, seguir as pisadas de uma Cândida Pinto. Havia ali, de certa forma, a expectativa de que muitos quisessem aparecer, ser pivot de televisão. Eu queria o jornalismo de guerra, tinha o sonho de poder levar às pessoas a informação sobre o que se passava no mundo. Há uma enorme beleza nisso, afinal. Passei, portanto, a licenciatura inteira sem cogitar que alguma vez viesse a pousar na rádio. Apontava era para a televisão. Havia um gozo com aquele mundo das câmaras, a régie, enfim.
Como é que se apaixonou pela rádio?
Fui estudando, o curso foi avançando e, de facto, nunca me ocorreu a rádio, até que integrei um estágio curricular e, mais tarde, profissional, na Rádio Renascença. Aquilo foi à séria, até me davam bastante responsabilidade! Apanhei a Guerra do Iraque inteira. Aliás, entrei na [Rádio] Renascença dois dias antes de tudo começar. E, naquela azáfama da rádio, percebi que gostava imenso daquilo. Mas, atenção, gostava da rádio, não de jornalismo. Foi até muito violento perceber que não acordava com o prazer que eu pensava que iria ter. Então, depois de cinco anos a estudar, no curso de licenciatura e também no Cenjor – tudo o que podia fazer, eu fiz… Mas não tinha qualquer vontade de fazer reportagens. Estava era talhada, e isso percebi logo, para o corte dos sons, o poder de síntese, a linguagem mais descritiva. Tudo isto nasceu nesta minha primeira experiência na rádio. Entretanto, surgiu logo a seguir a hipótese de fazer um casting para uma rádio de animação, a Mega FM. Rumei ao Porto, onde decorreu um casting e ganhei. Recebi formação e aí confirmei: «Aquilo era a minha praia!». Sem dúvida. O entretenimento, a partilha de paixões musicais, a vida dos artistas, a evolução da indústria… Passei a acordar, aí sim, entusiasmadíssima todos os dias. Acabei por não ficar por lá. Mas, de certa forma, ainda bem, porque vim parar ao grupo Media Capital Rádios, onde já estou há 11 anos.
A M80 é, sobretudo, uma rádio de paixão. É assim que eu a defino.
O que é que não gostou na informação?
A informação, para mim, não foi suficientemente magnética. Nesse registo, eu tinha prazeres isolados, mas não era o tom que me apaixonava.
A M80, onde está atualmente, integra o portefólio de rádios da Media Capital, ouvidas diariamente por mais de 1,7 milhões de pessoas. Quem são os seus ouvintes? Para quem é que fala na M80?
Na M80, falo com um grupo de pessoas que vai dos 30 para a frente. As músicas que nós passamos na M80, dos anos 70, 80, 90 e 2000, estão carregadas de história e isso leva os ouvintes a reagir e a viajar até às memórias daquelas décadas. Alguém está a ouvir, por exemplo, Journey com Dont´t Stop believin’, e recorda imediatamente o seu primeiro namorado ou aquele dia em que estava num fim de semana especial no Alentejo. Enfim! Todas as músicas têm uma história, que remete para um cheiro, uma viagem, uma recordação. A M80 tem essa magia, passa músicas com história. Mas, atenção, isso não faz com que os ouvintes estejam datados. Nem pensar! A música não tem, propriamente, uma idade. Os nossos ouvintes são, regra geral, pessoas com hábitos culturais muito diversificados: gostam de ir ao teatro, ao cinema, a uma festa M80… A M80 é, sobretudo, uma rádio de paixão. É assim que eu a defino.
Na M80, tem a possibilidade de criar conteúdos? Ou os formatos de rádio são hoje em dia muito fechados?
Eu sou 100% responsável pela produção dos conteúdos que passo na rádio. São temas que me dizem respeito, mas tratados sempre na ótica da relação e do interesse que possam ter para os ouvintes. Faço sempre este exercício: «Eu gosto desta história, mas será que isto vai mudar alguma coisa na vida de quem está do outro lado a ouvir-me?». Hoje, por exemplo, li uma notícia sobre um estudo que dizia que devemos estar pelo menos duas horas a pé, parados ou a andar. Voltei logo a história para o meu registo e os meus ouvintes: «Atenção, aquela pessoa que está nos escritórios, toca a levantar, toca a combater o sedentarismo!». E, no fim, passei a música do David Bowie, Let´s Dance, e desafiei os ouvintes a dançarem. Grande parte do nosso auditório trabalha e tem efetivamente uma vida sedentária, daí o interesse deste tema. Mas, claro, há que adaptar o tom e integrar os temas e as histórias na vida das pessoas.
Trabalhar na M80 pressupõe um reencontro diário com as músicas mais populares e recordadas da década em que a Ana nasceu. Que memórias musicais guarda dessa altura?
Por exemplo, o LP, do Jackpot, o Hitparade. Os meus pais compravam uma série de coletâneas e havia sempre música lá em casa. A minha mãe gostava dos The Beatles, o meu pai achava graça aos The Rolling Stones e o meu irmão, que é mais velho, apresentou-me os Guns N´ Roses na tentativa de que os preferisse, por exemplo, aos New Kids on the Block, que eu adorava!
Para além da M80, já integrou na Media Capital Rádios outras marcas do grupo, como a CidadeFM, a Rádio Comercial e o Rádio Clube Português. São posicionamentos, públicos e registos diferentes… O que é que cada uma delas lhe ensinou?
Falar para públicos de faixas etárias tão diferentes requer de facto diferenças, sem que com isso se tenha de anular a própria personalidade. Parece-me, aliás, errado que, perante um público mais velho, o locutor tenha de ficar mais sério e, face a um público mais jovem, assuma um ar mais infantil e lúdico. As pessoas, lá por serem adultas, não quer dizer que não tenham um espírito jovem. E o que eu aprendi foi que, no tempo da CidadeFM, focava-me em temas muito orientados para jovens, na Rádio Comercial já adotava conteúdos mais family oriented e no Rádio Clube Português, no Janela Aberta, chegava à política, às artes, à literatura, à psicologia, à sociologia, enfim. Aliás, houve uma altura em que fazia CidadeFM de manhã e Rádio Clube Português à tarde. Passava a vida a mudar o chip! Se, no primeiro caso, o enfoque era a música, no segundo caso, tínhamos quatro horas de entrevistas no ar. Lembro-me de, um dia, estar no ar de manhã no estúdio da Cidade[FM], com aquele registo ancorado nos temas de uma Rihanna ou de uma Beyoncé e, pelo meio, ouvia um debate político que tinha decorrido na noite anterior – eu tinha estado, nessa noite, a apresentar um concerto em direto – para poder preparar a entrevista que ia à tarde ter no Rádio Clube Português com o Ângelo Correia. Ninguém modera nada se não estiver devidamente preparado. Portanto, eu tinha de me preparar. Para mim, essa fase foi muito violenta, mas ao mesmo tempo muito enriquecedora, porque aprendi muitíssimo e testei os meus conhecimentos e as minhas capacidades. Apercebi-me de que a Universidade Católica [Portuguesa] deu-me um curso de licenciatura e, ainda, um curso de cultura geral. Eu tinha à minha frente psicólogos, psiquiatras, curadores, políticos, pintores, escritores… Passaram pelo Janela Aberta, em entrevista, tantos perfis, tantas personalidades. E a preparação que me parece que consegui sempre demonstrar devo-a, em grande parte, à Universidade Católica [Portuguesa]. Quando me debruçava sobre os temas, aquilo não era 100% novo. Estava apenas a aprofundar.
Que entrevistado ficou para sempre na sua memória?
Ficaram dois entrevistados na minha memória: a Maria Elisa e o Bruno Nogueira. Quando a equipa de produção me disse que no dia a seguir iria entrevistar a Maria Elisa, a minha reação foi: «Ai meu Deus! Será que estou à altura?». Eu tinha apenas 27 anos. E a verdade é que logo que nos cumprimentámos, eu avisei-a imediatamente – neste meu jeito muito nortenho, direto – que estava nervosíssima e que ansiava que tudo corresse bem. Ora, quebrei o gelo num ápice. O que eu não queria era que nenhum entrevistado sentisse que tinha ido ali perder o seu tempo. E partilhei-o com a Maria Elisa. A entrevista lá arrancou, com toda a descontração (porque já tínhamos antes conversado e desconstruído toda a minha ansiedade) e, no final, ainda recebi um abraço da Maria Elisa. Relativamente ao Bruno Nogueira, alguém me dizia que era preciso ter cuidado com o humorista. Ou eu lhe fazia perguntas interessantes ou poderia ler na linguagem corporal dele, em plena entrevista, que aquela conversa não estava a servir para nada. Quando o entrevistei, no entanto, a verdade é que o Bruno Nogueira contrariou completamente essa expectativa que eu tinha. Foi uma entrevista de quase 45 minutos, bem longa. Quando finalmente encerrei a conversa, ele disse, admirado: «Já? Nem dei pelo tempo a passar!». Foi o melhor que me podia ter dito! Foi o derradeiro elogio. Aquele tempo, de facto, foi uma loucura. Eram 4/5/6 entrevistas, por dia, com as mais variadíssimas figuras…
Mas aí, então, estava mais próxima da lógica da informação…
Sim, mas sempre numa ótica de animação. Eram entrevistas focadas no lado mais lúdico das pessoas. O meu desafio era pôr os entrevistados a rir!
Uma das vantagens diferenciadoras da rádio é a componente interativa. Que interações com ouvintes ficaram até hoje na sua memória?
São sempre memoráveis as pessoas que me escrevem a agradecer apenas o facto de eu lá estar, a fazer-lhes companhia. Há no universo dos nossos ouvintes pessoas doentes, com limitações na mobilidade ou numa situação de enorme solidão. Para além disso, somos também ouvidos por muitos médicos, enfermeiros e outras categorias profissionais que trabalham muitas vezes por turnos e que, por isso, veem na rádio uma companhia firme. E, depois, há aqueles golpes de sorte. Aquele momento em que aquele ouvinte estava mesmo a precisar de ouvir All Night Long, do Lionel Richie e, por obra do destino, foi aquela a música que eu pus no ar. É extraordinário poder tocar as pessoas dessa forma… Nós somos muito próximos dos nossos ouvintes. Não há estrelas na rádio. Há é uma grande proximidade. Quando ligo o microfone, essa proximidade materializa-se: «Você que acabou de acordar, esta música é para si!». Imediatamente a seguir e, muitas vezes, através das redes sociais, recebo o feedback de ouvintes: «Como é que sabe que eu estava mesmo a acordar?».
As redes sociais vieram intensificar mais a capacidade de interação com o ouvinte que a rádio já tinha, certo?
Sem dúvida. A voz está no ar e, no segundo a seguir, o ouvinte já está a reagir. De todas as partes do país, até porque eu estou sempre a referir-me às mais variadíssimas cidades. É o meu lado nortenho! E as pessoas reagem. Com as redes sociais, é ainda mais imediato. Mas, atenção, também encontramos muito nas redes sociais os chamados moralistas de teclado, embora relativamente à M80 não me recorde de nenhum episódio digno de registo nesse campo. É porque somos verdadeiramente espetaculares [gargalhada]! E os nossos ouvintes são pessoas incrivelmente dotadas de bom senso. E isso traz-nos felicidade, claramente.
A rádio, atualmente, mais do que na voz, assenta na personalidade do locutor. Foi o caminho que a rádio seguiu, parece-me.
Os profissionais de comunicação são unânimes em relação à “magia” da rádio. Como a descreve?
É tão difícil descrever a magia da rádio… São aquelas quatro paredes em que, na maior parte dos casos, estou sozinha na minha intimidade com o microfone, ao ponto de parecer que estou no meu quarto a falar para os meus amigos e, afinal, tenho a ouvir-me um mar de gente. Ora, isto mexe com o nosso ego. Estamos a falar para muita gente! E, ainda por cima, sabemos em que circunstâncias é que as pessoas nos ouvem. Vão no carro, estão em casa, de manhã, a preparar o pequeno-almoço para os miúdos… Outro dia mandei um beijinho para aquele português que podia estar a ouvir-me no Japão. Afinal, através do site da M80, é possível acompanhar a emissão em qualquer parte do mundo. Mas é muito difícil, de facto, descrever a magia da rádio. E, quando vou de férias, as saudades que a rádio me deixa…
Quais são as suas principais referências na rádio? Que profissionais segue? Com que profissionais aprendeu?
A rádio, atualmente, mais do que na voz, assenta na personalidade do locutor. Foi o caminho que a rádio seguiu, parece-me. É claro que continuamos a ouvir grandes “vozeirões”, na rádio. Mas o que é efetivamente valorizado, no final das contas, é a personalidade, a alma do locutor, aquilo que os ouvintes conseguem imprimir para além da voz. E eu assino por baixo dessa declaração, inteiramente. Parece-me que toda a equipa das manhãs da Rádio Comercial é inspiradora. O Pedro [Ribeiro] e a Vanda [Miranda] são perfeitos naquilo que fazem. Aquilo acontece de manhã, é certo, mas parece que está a decorrer um jantar ali ao lado onde eles estão a conversar e aquilo faz todo o sentido. Devo muito ao meu mentor, o Pedro Marques, com quem tenho tido o prazer de trabalhar ao longo destes anos. Foi ele que me formou nos tempos da CidadeFM. Sempre acreditou em mim! O Rui Estêvão, da Antena 3, é outro profissional que admiro muito, ele tem uma paixão assolapada pela rádio. E, claro, embora soe um pouco previsível, devo dizer que adoro os colegas com quem trabalho (na MCR): a Joana Azevedo, o Diogo Beja, a Rita Rugeroni, a Bárbara Guevara, o Paulo Fernandes… Enfim, somos tantos! Todos os dias, todos nós damos tanto de nós. E é esse o nosso lema. Abrimos o microfone e lá estamos a dar e a partilhar um pouco de nós. Aqui está a magia da rádio [sorriso]! Acho que é mesmo isso!
Há cinco anos, e sempre em paralelo com a rádio, começou a colaborar regularmente com a BTV. O que prevaleceu quando aceitou este desafio? A vontade de fazer televisão ou a paixão pelo Sport Lisboa e Benfica?
Na verdade, ambas. Quando o Ricardo Palacin me desafiou, aceitei imediatamente. Só o facto de contribuir para o sucesso de um projeto no qual acreditei desde o início, já me realizava! Ainda por cima, tratou-se sempre de uma colaboração em paralelo com a rádio. Eu disse: «Vamos a isso!». E, na BTV, posso realizar-me no formato televisivo. Também tenho o chamado “bichinho televisivo”! Gosto muitíssimo de televisão. Mas a rádio é a rádio. É mágica…
Neste programa que apresenta na BTV, TOP do Craque, tem a música como pilar, certo? É um namoro permanente entre a música e o futebol (leia-se, o SLB)…
Sim, ao longo dos últimos quase dois anos, no TOP do Craque, dou a conhecer as escolhas musicais de atletas e figuras públicas benfiquistas. E, aliás, o Ricardo Palacin e eu não podíamos ter tido uma maior sintonia. No dia em que eu entro no gabinete dele para lhe propor um formato do género do TOP do Craque, ele tinha para me propor exatamente um formato igual…
Os registos da televisão e da rádio são completamente diferentes. No primeiro, narra-se. No segundo, descreve-se… Qual é a sua zona de conforto, o seu lugar mais comum?
Devo confessar que, em televisão, pouco alterei o meu registo mais natural. Há duas coisas que são muito minhas e sobre as quais não é possível intervir: falo rápido e gesticulo muitíssimo, estou sempre a mexer as mãos. E, em televisão, sou igual. Aliás, o meu programa é feito num registo live on tape, ajo como se estivesse no ar em direto. Nessa ótica, ajo como se estivesse em rádio, com a particularidade de ali, naquele contexto, estarem a filmar-me. Não sei fazer de outra forma. É claro que em termos de conteúdos, em televisão não pinto tanto o quadro, seria obviamente redundante, porque há a imagem a falar por mim. Mas a forma de estar, a minha linguagem corporal na televisão é igual, igual àquela que assumo na rádio.
Era a força da M80, a força da Caderneta de Cromos do [Nuno] Markl, o regresso do Fizz Limão… Eu queria perceber o que estava por trás dessa dinâmica e qual a justificação para algumas marcas terem voltado a apostar nos produtos de sempre.
Entre a rádio e a televisão, quis valorizar-se e estudar mais. Fez um curso de mestrado em Ciências da Comunicação, no âmbito do qual produziu uma dissertação sobre o vintage. Também na M80 realiza um regresso diário ao passado. Conseguiu criar sinergias entre a formação académica e o seu trabalho na rádio?
Nem mais! E impunha-se uma grande dose de saudades da [Universidade] Católica [Portuguesa]. Eu adorei aquela universidade! Tive de voltar… Optei, no curso de mestrado, pela vertente de Marketing e Publicidade, precisamente, para alargar horizontes e ir além da minha formação académica base. E foi, de facto, muito enriquecedor. Na altura já estava na M80 e conciliar ambas as coisas não foi fácil. Além disso, tive um timing muito apertado para definir o tema da minha dissertação. E, um dia, houve uma inspiração maior. Lembrei-me que, tendo em conta a força que o revivalismo tinha entretanto ganho com as marcas a voltarem aos produtos de antigamente, esse podia ser o caminho. Era a força da M80, a força da Caderneta de Cromos do [Nuno] Markl, o regresso do Fizz Limão… Eu queria perceber o que estava por trás dessa dinâmica e qual a justificação para algumas marcas terem voltado a apostar nos produtos de sempre. Portanto, confirmei que somos um país fértil na aposta desse tipo de artigos, nomeadamente, devido à nossa conjuntura económica. A década de 1980, em que surgiu grande parte desses artigos, ficou marcada pela entrada de Portugal na CEE e pela injeção no país de generosos contributos financeiros. De repente, passámos a ter mais dinheiro, o poder de compra aumentou. E, por isso, a memória que temos desses artigos é, de facto, muito boa. Essas são as marcas que nos levam a viajar saudosamente no tempo. Naquele tempo, éramos mais felizes, mais seguros, não tínhamos tantas preocupações…
Ana, como quer contar a sua carreira daqui a uns bons anos? Para onde aponta o seu futuro?
Já pensei algumas vezes nisso e esbarro sempre na convicção de que aquilo que hoje faço é o que quero continuar a fazer. E, depois, penso: «Será que com isso estou a ser comodista ou pouco ambiciosa?». E para isso tenho resposta imediata: «Não! É que eu tive a sorte de ter começado a fazer aquilo por que efetivamente me apaixonei relativamente cedo». Só espero conseguir manter a jovialidade e a frescura daqui a muitos, muitos anos. E manter-me – se é que sou, mas passo a nota – interessante para o target para o qual estiver a falar. Na rádio, sempre!
Que banda sonora escolheria para a sua vida?
Eu avançaria com o meu top 5 de músicas:
- Aquela música que tem a capacidade de me deixar sempre arrepiada, All Saints (Pure Shores);
- All Night Long (Lionel Richie), é um lema de vida, um hino de alegria;
- Love Will Tear Us Apart (Joy Division), é uma música tão sofrida e dolorosa, incontornavelmente maravilhosa;
- Crystallize (XX), é a minha segunda escolha, sobretudo porque o talento dos Excess é gritante.
- Disarm (Smashing Pumpkins) é o meu primeiro lugar, pertence à banda da minha adolescência.
E nenhuma referência em português?
Os MAU, que são extraordinários.
+ Informação Rádio M80
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