No final do ano, tempo de todos os balanços, são muitos os inventários que surgem com os títulos publicados ao longo dos 12 meses e isso é sem dúvida um bom chamariz para a leitura e um incentivo ao culto de um hábito que muitos apregoam ter caído em desuso. Mas neste final de ano, agarrando no desafio lançado por Mark Zuckerberg de ler um livro a cada 15 dias, faço o balanço dos livros que eu li em 2015. Não foram tantos, mas fizeram do meu ano um ano mais rico, preenchido e feliz.
É de autores portugueses, brasileiros, checos, espanhóis e italianos que se faz a “minha” lista. Já os géneros literários abrangidos são crónicas, ensaios, entrevistas, livros históricos e, claro, romances. Aqui, falei da maior parte deles. Desde logo, no clube das crónicas, d’O Hipopótamo de Deus, de José Tolentino Mendonça, cuja obra é uma verdadeira homenagem à capacidade diária de reinvenção. Este livro, em concreto, fala-nos da habilidade de cada um de nós para descobrir onde é a sua casa, leia-se, a sua construção, o seu processo, a sua definição, na perspetiva de que «as perguntas que trazemos valem mais do que as respostas provisórias que encontramos». Também pelas suas crónicas reunidas quis aqui falar de Alfabetos, de Claudio Magris, um dos autores de referência no conhecimento literário da cultura europeia e que surge com esta compilação a mapear justamente a história da literatura ocidental, citando dezenas e dezenas de autores e revelando um background cultural admirável.
Nos ensaios, um dos meus géneros favoritos, voltei a José Tolentino Mendonça, mas desta vez com A Mística do Instante, um livro que li em 2015 e sobre o qual partilharei opinião em 2016. Neste ensaio, o autor aponta para a vida uma compreensão unitária, englobando todos os sentidos humanos na expressão crente. É desconcertante. Num outro título, A ridícula ideia de não voltar a ver-te, da escritora e jornalista madrilena Rosa Montero, é narrado o percurso de Marie Curie e, embora com bastante menos detalhes, o da própria autora, realçando aquilo que ambas têm em comum: a perda inesperada do respetivo marido. Rosa Montero mais não faz do que abordar a sabedoria e a capacidade de gozar em plenitude a existência, porque, afinal, a morte tem neste livro um papel preponderante, comparável ao do nascimento.
Fez também parte das minhas leituras deste ano um apanhado de 12 entrevistas realizadas por Carlos Vaz Marques no âmbito da sua colaboração com a LER e que mais tarde compilou numa bonita edição da Tinta da China: Os Escritores (também) Têm Coisas a Dizer. O autor é um dos entrevistadores portugueses que considero mais completos. O livro surgiu nas minhas prioridades, porque sou apaixonada por livros sobre literatura e lanço o olhar sempre que ouço escritores pronunciarem-se sobre a arte de escrever. Foi ainda escolha, na pasta das entrevistas, A Vida é sempre um Valor, de Feytor Pinto, que nos dá a conhecer os argumentos que sustentam a vida como um valor e o sentido que devemos reclamar, precisamente, à vida, independentemente das circunstâncias e das dificuldades.
No grupo dos livros históricos, realço um ao qual ainda voltarei com detalhe: O Século XX Português, de José Miguel Sardica. Para quem, como eu, pertence a uma geração posterior ao 25 de abril, é obrigatório fazer esta leitura, pois reúne num estilo rigorosíssimo e simultaneamente simples a identificação dos principais acontecimentos históricos portugueses do século XX e a sua interseção com o quadro internacional. Tem ainda o maior interesse para leitores mais velhos, para quem o século XX tenha sido o seu século e que por isso mereça ser revisitado. Esta leitura é, a meu ver, um magnífico exercício para a melhor compreensão do estado atual da democracia, do projeto ideológico e intelectual que temos e daquele para o qual caminhamos.
Na categoria dos romances, a grande maioria, fizeram parte das minhas escolhas dois livros de um escritor que li este ano pela primeira vez e que me parece da maior originalidade, capaz de transferir o leitor para universos completamente novos. Falo de Afonso Cruz e de dois dos seus inúmeros títulos: Para onde vão os guarda-chuvas e Flores. O primeiro é uma homenagem ao amor e à tolerância. O segundo é uma apologia da mecânica da identidade e da memória, mas também, de novo, do amor. Ainda em português, mas no feminino, li Que Importa a Fúria do Mar, o primeiro romance de Ana Margarida de Carvalho, já premiado pela Associação Portuguesa de Escritores, em que são retratadas as idiossincrasias dos revoltosos do golpe da Marinha Grande. Aqui mesmo ao lado, a Espanha, fui buscar para começo de conversa o primeiro romance publicado por Carlos Ruiz Zafón, O Príncipe da Neblina, que serviu para situar a qualidade do autor ainda em potência e perceber como um escritor se faz. Incluída na lista está também uma das vozes mais desconcertantes de sempre na literatura brasileira, Clarice Lispector, de quem li A Paixão segundo G.H., um tratado sobre a condição humana e uma analogia, se quisermos, da paixão de Cristo. Nos romances contemplei por fim um dos mais consagrados escritores do século XX, Milan Kundera, com A Festa da Insignificância, que publicou depois de um período de mais de 10 anos sem publicar e em que, do seu olhar checo a viver em Paris há anos, transpira alguns dos problemas mais sérios da atualidade, sem recorrer a um único parágrafo sério.
Para concluir, volto a Claudio Magris, que recorre ao aclamado Jorge Luis Borges para situar a importância de ler: «(…) Borges disse que deixava aos outros vangloriarem-se dos livros que tinham escrito e que a sua glória consistia antes nos livros que havia lido». Até porque a ler nos confessamos, porque expomos os nossos interesses, as nossas prioridades, o nosso mundo…
Dizer ainda que, entre os autores destes livros que fizeram o meu ano em 2015, estão três dos meus entrevistados: Afonso Cruz, Ana Margarida de Carvalho e Vítor Feytor Pinto. Podem imaginar a honra que é entrevistar e estar com alguém que se admira e ao lado de quem temos a oportunidade de parar, conversar e observar o mundo. E dessa conversa sair mais rico.
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