Neste seu primeiro romance, Que Importa a Fúria do Mar, Ana Margarida de Carvalho recorre não raras vezes a frases que desafiam algumas das expressões portuguesas mais prosaicas, como é o caso de: «Que não fui tido mas fiz achado». Num exercício franco de escrita criativa, oscilando entre os registos lírico e funcional, a autora demonstra uma maturidade pouco comum para o primeiro trabalho do género. Com fluidez, assume em momentos-chave parágrafos onde menos o leitor espera, como se uma nova ideia estivesse para surgir – que surge – embora completamente encadeada no raciocínio antecedente. Neste ritmo, Ana Margarida de Carvalho retrata as idiossincrasias dos revoltosos do golpe da Marinha Grande que a Polícia de Salazar prendeu. Dando grande ênfase à primeira etapa da viagem que os levou rumo à inauguração do campo de concentração do Tarrafal, em Cabo Verde, a romancista salpica o episódio da história portuguesa recente com um argumento passional, ancorando aí o pretexto para mostrar uma das vias possíveis de sobrevivência à prisão do regime. E, reposicionando-se na atualidade, mais de 70 anos depois, recria a necessidade de uma jornalista de televisão reconstituir a memória desses acontecimentos por via de uma entrevista realizada em várias sessões… que dão que pensar. A linguagem da autora é alternada entre a sofisticação literária e a simplicidade da escrita epistolar. Na narrativa de Ana Margarida de Carvalho são deliciosos os avanços e recuos no tempo, o sincronismo entre o poético (que se descobre no fluir da prosa) e o pragmatismo, o realismo das personagens e o raciocínio passional esgrimido para materializar uma forma de sobreviver à catastrófica realidade. Que Importa a Fúria do Mar, a cada página um apelo recorrente à leitura, recebeu no final de 2014 o Grande Prémio de Romance e Novela da Associação Portuguesa de Escritores, entre mais de 100 livros a concurso. Ana Margarida de Carvalho é jornalista há mais de 20 anos e, entre as várias publicações que já assinou na Ler, no Jornal de Letras, na Marie Claire ou na Visão, onde se encontra atualmente e há mais tempo, recebeu sete dos mais prestigiados prémios do jornalismo português, como o Prémio Gazeta Revelação do Clube de Jornalistas de Lisboa. Junta-se ao seu percurso no jornalismo, a vincar a sua vocação para a escrita, a aptidão para a crítica cinematográfica, cuja experiência lhe valeu a presença, na qualidade de jurada, em concursos e festivais da especialidade. Também lhe é conhecida a assinatura de roteiros de viagem e de um texto dramatúrgico. No seu primeiro livro, Que Importa a Fúria do Mar, Ana Margarida de Carvalho alarga ao romance as suas premiadas qualidades literárias. É de ler.


Que Importa a Fúria do Mar, Ana Margarida de Carvalho


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