Corria o mês de outubro de 2013 quando comprei este livro, numa tarde solarenga que me devolveu algures pelo Chiado toda a vontade de ler. A partir deste livro, que ofereço quase por regra às pessoas para mim mais queridas, entrei numa empreitada de leitura como há muito não conseguia cumprir. Para além disso, com O Hipopótamo de Deus consolidei uma série de pensamentos e abri outros tantos, como aliás o extraordinário subtítulo tão bem sugere: Quando as perguntas que trazemos valem mais do que as respostas provisórias que encontramos.
A primeira pergunta que José Tolentino Mendonça nos incita a fazer remete para o Bem: «Porquê pretender a todo o custo uma solução para o Mal, se o Bem é igualmente uma pergunta mais funda, vasta e silenciosa?». Com este raciocínio desconcertante, recorre ao Livro de Job e recupera o momento em que Deus lança o desafio de «(…) olhar de frente para… um hipopótamo», no pressuposto de que para tudo o que é grande é precisamente de frente que devemos olhar. Neste fio condutor surge o chamado hipopótamo de Deus…
Comecei a ler José Tolentino Mendonça nas suas crónicas que preenchem a rubrica Que Coisa são as Nuvens, na revista do Expresso. Por coincidência (ou não), apareciam-me por diversas vezes à frente entrevistas dadas pelo autor que me prendiam e me levavam de volta às suas crónicas semanais. Por isso iniciei-me n’O Hipopótamo de Deus, que junta numa mesma publicação um conjunto de crónicas sábias.
A contraciclo, no meio da ditadura do tempo e da tecnologia, José Tolentino Mendonça escarrapacha-nos a importância do silêncio e da lentidão, recorrendo a uma das citações que mais lhe ouvimos na ponta da língua, do designer italiano Bruno Munari: «Uma árvore é uma semente que cresce devagar e em silêncio». O autor vai mais longe e diz: «Há uma harmonia secreta, há um suculento sabor que só colhe da vida aquele que abraça, com confiança a demora, a lentidão e a espera».
Com mestria de palavras, José Tolentino Mendonça dá aqui ao otimismo a importância de lema de vida, desde que enquadrado na realidade tal como ela é: «Os otimistas autênticos não são os que desconhecem as razões que levam outros ao seu inverso, mas aqueles que dominando objetivamente o quadro do real, mesmo assim o integram num projeto maior e paciente, onde os obstáculos podem constituir oportunidades».
O Hipopótamo de Deus serve-nos ainda de medida de enquadramento das experiências terminais, atribuindo ao luto uma experiência de meditação interior soberana: «O luto, quando bem vivido, é um trabalho espiritual, uma mudança qualitativa que nos entreabre a um outro entendimento da vida». José Tolentino Mendonça leva-nos mais uma vez neste ponto à capacidade de construir a vida com beleza, criatividade e esperança. Mesmo quando do prosaico se trata. Mesmo quando do Mal (com M grande, como o escreve o autor) se trata.
Como se não bastasse, José Tolentino Mendonça desconstrói também neste livro a apologia da perfeição, relegando-a para os catálogos. Na perfeição, diz, não cabe a singularidade, a passagem do tempo e a humanização. Recorre neste contexto a Samuel Beckett, que apela: «Errar, errar de novo, errar melhor». Portanto, saber que se erra sempre, mas que se procura o melhor, numa perspetiva de ser menos perfeito do que inteiro…
No fundo, é de entrega e autenticidade que o autor nos fala. E da capacidade de cada um de nós descobrir onde é a sua casa, leia-se, a sua construção, o seu processo, a sua definição, num encontro sério e humilde com as limitações, pleno e entusiasta com as potencialidades. E, tudo isto, independentemente da longevidade ou brevidade das nossas vidas. Porque, afinal, as nossas vidas têm todas o mesmo comprimento: os 42km de uma maratona…
José Tolentino Mendonça é unanimemente considerado uma das vozes mais originais do Portugal contemporâneo. Escritor, poeta, sacerdote e professor, é Vice-Reitor da Universidade Católica Portuguesa, responsável nacional pela Pastoral da Cultura e consultor do Pontifício Conselho para a Cultura, no Vaticano. Especialista em Estudos Bíblicos, integrou no passado 15 de março o Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida.
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