Acabo de chegar do belíssimo Palácio Galveias, no Campo Pequeno, em Lisboa, onde decorreu a entrega do Grande Prémio de Romance e Novela da APE-DGLAB à escritora Ana Margarida de Carvalho, por duas vezes já aqui entrevistada. Muito possivelmente, das melhores autoras que Portugal conheceu nos últimos (muitos) anos.

Que Importa a Fúria do Mar. Neste seu romance de estreia, Ana Margarida de Carvalho retrata as idiossincrasias dos revoltosos do golpe da Marinha Grande que a Polícia de Salazar prendeu. Dando grande ênfase à primeira etapa da viagem que os levou rumo à inauguração do campo de concentração do Tarrafal, em Cabo Verde, a romancista salpica o episódio da história portuguesa recente com um argumento passional, ancorando aí o pretexto para mostrar uma das vias possíveis de sobrevivência à prisão do regime. E, reposicionando-se na atualidade, mais de 70 anos depois, recria a necessidade de uma jornalista reconstituir a memória desses acontecimentos por via de uma entrevista realizada em várias sessões… que dão que pensar.

Não se Pode Morar nos Olhos de um Gato. Neste outro livro, mais recente, cujo título recupera um verso de Alexandre O’Neill, é-nos dada olhos dentro a narrativa do naufrágio de um navio clandestino de escravos, que seguia entre a Baía e o Rio de Janeiro, num Brasil onde a escravatura já começava a distanciar-se, com o dealbar do século XIX à porta. O grupo de náufragos, já numa praia intermitente, dependente do movimento da maré, faz-se representar com diversidade certeira (definida com pinças pela autora) por um capataz, um escravo, um criado, um padre, um estudante, uma afidalga, a sua filha e um pretinho a iniciar-se na capacidade de andar.

Ambos foram galardoados com o Grande Prémio de Romance e Novela da APE-DGLAB, um dos mais prestigiantes no panorama literário português. Parece que, em quase trinta anos, para além de Ana Margarida de Carvalho, apenas mais cinco autores foram por duas vezes reconhecidos com o prémio da Associação Portuguesa de Escritores (APE): Agustina Bessa-Luís, António Lobo Antunes, Maria Gabriela Llansol, Mário Cláudio e Vergílio Ferreira. Ana Margarida de Carvalho conseguiu-o com os seus dois primeiros romances, que entre a chegada à estampa e o reconhecimento do meio tiveram caminho rápido e convincente. É obra!

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