A frase é de Clarice Lispector, escritora brasileira que marcou de modo irrefutável o panorama literário brasileiro do século XX e que, 40 anos decorridos desde a sua morte (em 1977), continua a ser lida, estudada, admirada e recordada. Especialmente, neste dia 10 de dezembro, data em que em 1920 foi celebrado o seu nascimento.

E como nos preparamos para viver mais uma transição de ano, vem a propósito este trecho de uma das crónicas da autora, publicado no Jornal do Brasil, em 1972. Perante a evidência de um raciocínio matemático lógico e simples, atribuído a um inglês, Clarice Lispector extrai das horas em que previsivelmente estamos ocupados com as atividades elementares (dormir, trabalhar, etc.), ao longo de toda a vida, o número de horas que nos restam para o que queremos ou podemos. E são muitas: 1930. E é nesse fundamento que a escritora enraíza a ideia de que a vida é, afinal, mais longa do que a possamos supor.

É maravilhoso este trecho, que acabo de ler n’A Descoberta do Mundo, o volumoso livro de crónicas de Clarice Lispector (todas as que a autora publicou no Jornal do Brasil, entre 1967 e 1973) que este ano me acompanhou em muitas dessas 1930 horas em que seguramente fiz o que me apeteceu. Ora leiam!

 

HORAS PARA GASTAR

Eu mesma me surpreendo ao perceber quantas horas por ano tenho para gastar. Capacito-me de que na realidade tenho mais tempo do que penso – e isso significa que vivo mais do que imaginei. Isso se fizermos as contas das horas do dia, da semana, do mês, do ano. Quem fez o cálculo foi um inglês, não sei seu nome.

Um ano tem 365 dias – ou seja, 8760 horas. Não é enganoso não, são oito mil setecentas e sessenta horas.

Deduzam-se oito horas por dia de sono. Agora deduzam-se cinco dias de trabalho por semana, a oito horas por dia, durante 49 semanas (descontando, digamos, um mínimo de duas semanas de férias, e mais uns sete dias de feriado). Deduza duas horas diárias empregadas em condução, para quem mora longe do local de trabalho.

Nessa base sobram-lhe 1930 horas por ano. Mil novecentas e trinta horas para se fazer o que se quiser, ou puder. A vida é mais longa do que a fazemos. Cada instante conta.

Clarice Lispector, in Jornal do Brasil (18 novembro 1972)

.

error: Content is protected !!