Pedro Norton de Matos
Pedro Norton de Matos é um gestor com uma visão profundamente humanista. No seu percurso, com múltiplos cargos de liderança, detetamos uma diversidade de interesses e preocupações que nos centram na cidadania e na cultura, numa perspetiva perfeitamente holística, a fazer lembrar os princípios essenciais. Com forte experiência em transformação organizacional e processos de mudança, Pedro Norton de Matos fundou em 2006 a My Change e, em 2014, a Commit Consulting. A primeira, uma referência na mudança organizacional. A segunda, focada na sustentabilidade, no empreendedorismo e no desenvolvimento do capital humano. Ambas com as pessoas na sua principal razão de existir. Licenciado em Organização e Gestão de Empresas pelo ISCTE e com frequência de várias formações no INSEAD e na Wharton School, Pedro Norton de Matos iniciou carreira com funções comerciais na RANK Xerox. Em 1991, foi nomeado CEO da Unisys Portugal, tendo em 1995 e 1998 subido a CEO de Espanha e Ibérico e CEO da Europa do Sul, respetivamente. Entre 2000 e 2005, foi o CEO da ONI. Integra o Advisory Board da Fábrica de Startups e é membro da comissão de remunerações do Grupo Mello. Comprometido com a evolução sustentável da sociedade, Pedro Norton de Matos é o mentor e organizador do Greenfest e do Dia Verde em Portugal e, ainda, o dinamizador do Forum Expresso XXI. Humanizar é uma das suas palavras. No Executive Board da PWN Lisbon, no âmbito do qual tive a oportunidade de o conhecer pessoalmente, tive sempre a sorte de o ouvir, sábio, inspirado e inspirador, com mensagens que ficam em eco nos nossos ouvidos a fazer gotejar a nossa própria mudança. Quis, a propósito da 10.ª edição do Greenfest que decorreu entre setembro e outubro de 2017, perceber como continua para o “Pedro” a ser possível humanizar.
Vive, desde há alguns anos, em Ponte de Lima, onde tem uma qualidade de vida alinhada com a ruralidade que a sua infância lhe proporcionou. Foi uma opção pelas origens e o essencial?
Sem dúvida. Os “cheiros” de uma infância feliz fizeram-me voltar ao ninho… As memórias são dos meses de setembro, último mês das férias grandes escolares, transição entre o verão e o outono, pautada pelo ritmo da natureza que me marcou para sempre. A decisão foi familiar e muito amadurecida. Em boa hora a tomámos e só fico a pensar que poderia ter sido mais cedo. A qualidade de vida é inegavelmente muito superior em todos os aspetos que contrasta com a superficialidade da “floresta de cimento” e o “corre corre” das grandes urbes. Na ruralidade fica o essencial e o encanto do desfrute das coisas mais simples.
A nanotecnologia, invisível a olho nu, promete uma enorme disrupção com impactos ainda desconhecidos, quer na prespetiva do Bem, quer na do Mal. Chegar ao nível do átomo é uma verdadeira bomba atómica. Como dizia Einstein há já umas décadas: “Triste época! É mais fácil desintegrar um átomo do que um preconceito”.
Assistiu ao tempo em que, a 8km de Ponte de Lima, não havia eletricidade. Tanto é contemporâneo dos candeeiros a petróleo, como da vertiginosa evolução das tecnologias, que conheceu melhor por força da sua carreira profissional. Como é que um humanista, como o Pedro Norton de Matos, olha para a convivência do humano com a tecnologia? Há hoje espaço para as relações interpessoais?
A tecnologia deve ser sempre encarada como um facilitador e não como resposta final a todos os desafios. Hoje em dia, tempo do “homus digital”, aceitamos abdicar da nossa privacidade com o argumento de que a tecnologia nos pode ajudar em termos de saúde e segurança. É verdade que são enormes os avanços nesses domínios, como também no lazer e na conveniência/comodidade e em tantos outros, proporcionados pelas novas tecnologias. Contudo, para não sermos info-excluídos, entregamo-nos sem hesitações nas mãos da desconhecida “Big Mother” e arriscamo-nos a perder muito do capital relacional desenvolvido ao longo de milénios. De facto, os dispositivos pessoais podem tornar-se, no limite, numa “bolha” opaca onde os seus narcísicos utilizadores perdem o contacto com o “outro”. Seria a morte da empatia que nos permite crescer com e através dos outros, dando valor ao diferente. Numa altura em que tenho a felicidade de ser avô, questiono-me: em que mundo vai viver a minha neta? A realidade aumentada e virtual, a inteligência artificial, serão mais atrativas para ela do que a realidade natural ou a inteligência social e emocional? Como conjugar ambas as perspetivas? A nanotecnologia, invisível a olho nu, promete uma enorme disrupção com impactos ainda desconhecidos, quer na prespetiva do Bem, quer na do Mal. Chegar ao nível do átomo é uma verdadeira bomba atómica. Como dizia Einstein há já umas décadas: «Triste época! É mais fácil desintegrar um átomo do que um preconceito».
No futebol moderno e noutros desportos de equipa, tal como na gestão, todos os intervenientes estão sempre em “jogo” e a solidariedade e interajuda são fundamentais para o objetivo comum. Os interesses da equipa estão acima dos interesses individuais. Os melhores líderes geram novos líderes e não seguidores.
Esse ritmo arrebatador da evolução da tecnologia ultrapassa o que é sensato, nomeadamente os ciclos sábios da natureza… Ainda há condições para a relação com a terra, mesmo nos espaços rurais como Ponte de Lima?
A província dos dias de hoje conjuga o melhor do mundo rural com a atratividade das grandes cidades. As excelentes infraestruturas que o país dispõe permitem encurtar as distâncias e ter o melhor equilíbrio de acordo com as motivações de cada um. No meu caso, considero-me um privilegiado, pois vivo em comunhão com a natureza que todos os dias me surpreende e fascina. A agricultura bio que pratico, assente nos princípios da economia circular, é um processo de aprendizagem constante. Até a maior parte das “ervas daninhas” tem muitos usos úteis, para além de alimento para animais… Temos muito a aprender com a natureza, que é um laboratório vivo com cerca de 4 mil milhões de anos. Curiosamente, o que a ciência moderna consagra, nomeadamente com a atribuição dos prémios Nobel (Ciência, Física, Medicina, Economia, etc.), já a natureza descobriu há muito tempo. O Biomimetismo deverá ser uma importante fonte de inspiração para a Humanidade, pois conjugando várias disciplinas é possível imitar (mimetizar) a vida (Bio) em que a natureza é pródiga de exemplos. Aplicar esse conhecimento permite grandes saltos evolutivos e aplacar o enorme e arrogante Ego do Homem, que nos faz autodenominarmos o animal mais inteligente e perfeito do planeta. O desafio é substituir o EGO por ECO… Voltar as costas à natureza e maltratá-la é um enorme erro e gera uma fatura muito pesada.
Em tempos, jogou futebol e em campo era médio. Esta posição, que pressupõe uma relação com todo o campo, permitiu-lhe desenvolver a visão estratégica inerente à liderança?
Interessante a analogia. No futebol moderno e noutros desportos de equipa, tal como na gestão, todos os intervenientes estão sempre em “jogo” e a solidariedade e interajuda são fundamentais para o objetivo comum. Os interesses da equipa estão acima dos interesses individuais. Os melhores líderes geram novos líderes e não seguidores. A visão holística, sistémica ou de “helicóptero” é a que permite perceber o todo e as partes e ter a consciência da interdependência. É uma vez mais o “NÓS” solidário a ser mais forte que o “EU” solitário. Tal aproximação evita a armadilha da desresponsabilização culpando um “Eles” que tende a ser vago e abstracto. Com a verdadeira consciência da interdependência percebe-se que afinal “Eles” somos “Nós” e que a cidadania ativa é uma das respostas para a (re)evolução civilizacional.
Assumiu cargos de gestão de topo, nomeadamente na Unisys e na ONI. Os seus antecedentes (ruralidade, natureza, desporto, família – não necessariamente por esta ordem) fizeram de si um líder mais humano, certo?
Identifico-me com a distinção entre gestor e líder, em que o gestor é definido como gerindo coisas e o líder como liderando pessoas. Não consigo conceber um líder, nos domínios profissional ou social, que não tenha as Pessoas no centro da sua estratégia, conceção que fundamentalmente tem a ver com a autenticidade da vivência de valores humanistas intrínsecos. Em paralelo, pode ser também um excelente gestor. Nas minhas atividades profissionais e como cidadão tenho a consciência de que as Pessoas fazem sempre a diferença. As pessoas com MOTIVAÇÃO (Motivo+Ação) movem montanhas…, têm “brilho nos olhos” e correm a milha extra. O verdadeiro papel de um líder é o de Alinhar, Envolver e Mobilizar os intervenientes numa visão partilhada de futuro, alicerçada nos valores humanistas.
Fundou duas empresas focadas no desenvolvimento das pessoas: a My Change e a Commit Consulting. Há hoje uma tendência de gestão para valorizar profissionais mais completos, mais cultos, mais interessantes e interessados, aptos à permanente adaptação à mudança, à crise e à imprevisibilidade? Com soft skills. É esta a sua visão?
As soft skills sempre me fascinaram, embora o termo só tenha entrado no léxico da gestão num passado recente. Na universidade (já há muitos anos…), escolhi como cadeiras optativas a psicologia social e a psicosociologia das organizações, nas quais tive excelentes professores, tendo reforçado o entendimento de que o mundo cartesiano, analítico e “insonso” da gestão precisava de outros condimentos e de saber lidar com as emoções. As nossas emoções e as dos outros que nos fazem crescer e valorizar a diversidade. Há cerca de 10 anos , depois de uma “epifania”, resolvi sair do mundo da gestão corporate e criar novos projetos. Um deles foi a MyChange que começou com zero clientes e que se foi afirmando no mercado, até aos dias de hoje, como uma referência incontornável na liderança e gestão da mudança. Um vício que tenho é o da multi tarefa… E, com o projeto da Mychange consolidado, fundei a Commit que agrega de uma forma holística as minhas múltiplas atividades no domínio da sustentabilidade, empreendedorismo e consultoria em liderança, gestão da mudança e soft skills. O grande denominador comum, que também está presente noutros projetos que fundei, centra-se na área comportamental, pois qualquer dos domínios requer novas atitudes. O nome da marca Commit e seus valores remetem para o compromisso que leva à ação! Numa generalização sempre perigosa, poder-se-ia dizer que os portugueses são bons em dar “palpites” e fazer diagnósicos, mas mais débeis no passar à ação e monitorar a implementação. Fazer acontecer cumpre o propósito. Acresce que num mundo em acelerada mudança e imprevisibilidade constantes é fundamental desenvolver a inteligência emocional dos colaboradores das organizações, assim como a inteligência social das comunidades.
Trouxe para Portugal o Greenfest, cuja 10.ª edição decorreu entre 28 de setembro e 1 de outubro de 2017. Que repercussões é que este evento já teve em Portugal, dez edições depois?
O impacto é grande e transversal à sociedade. Em dez edições, milhares de cidadãos, escolas, empresas e famílias deram o seu contributo partilhando boas práticas e inspirando. Para além da sensibilização, o desígnio do Greenfest é o de que se passe à ação, dando o maior protagonismo aos cidadãos. É uma plataforma aberta e inclusiva, um fórum de partilha de boas práticas, que vai continuar a crescer, privilegiando projetos inovadores e novos empreendedores. A vivência da sustentabilidade implica importantes mudanças comportamentais, pois parte da geração adulta não foi habituada a ter essas preocupações. Pensávamos que o planeta e seus recursos eram ilimitados… Assim, importa ter a consciência de que o tema das mudanças comportamentais implica incluir na equação o médio e o longo prazos. A repetição de bons comportamentos leva à criação de bons hábitos, daí a esperança nas gerações mais novas que têm mais informação. O Greenfest atribui na sua programação um lugar de enorme destaque aos jovens e à sua integração nas comunidades. Em 2018, estão previstas duas edições. No final de maio, em Braga (1.ª edição), e em meados de outubro, no Estoril (11.ª edição).
A sustentabilidade deve, mais do que nunca, ser vista como um tema de longo prazo, de geração em geração. É este o caminho que levamos (a pergunta é válida para os indivíduos, as organizações, a sociedade em geral)?
É um caminho sinuoso, não linear e que conta com avanços e recuos. Da primeira revolução industrial até aos dias de hoje, a aceleração tem sido vertiginosa quanto à utilização de recursos e matérias primas finitas. A sociedade do hiperconsumo, sobretudo no ocidente, a partir dos anos 60 do século passado, veio agudizar a situação. A par de significativos progressos, geraram-se também inúmeras assimetrias económicas e sociais, aliadas ao desequilíbrio ambiental. Os interesses instalados são muito difíceis de mudar, a não ser por pressão dos consumidores que tendem a ser fortemente manipulados pela publicidade e outros artifícios. Criaram-se aberrações nos sistemas de desenvolvimento das sociedades, de que destaco, a título de exemplo, a obsolescência programada. Produzir bens preferencialmente com matéria prima virgem, delapidando os recursos do planeta, que propositadamente são concebidos para durar pouco, usar e deitar fora, é razoável? Ou, a maior parte das embalagens, que viajam por todo o mundo deixando uma pesada pegada ecológica, que só são utilizadas uma vez, para depois o lixo ser “jogado” fora, quando o planeta não tem lado de fora, pois fica tudo cá dentro? Ou ainda o plástico que foi inventado há 100 anos e que está por todo o lado, inclusive presente com suas nano partículas nos alimentos, ar e água que consumimos? Os efeitos para a saúde podem ser nefastos. No lado positivo e da esperança de futuro, insisto que as novas gerações têm um papel preponderante a desempenhar, quer como consumidores, quer como cidadãos inseridos nas comunidades em que vivem.
O Papa Francisco, na sua encíclica alusiva à causa ecológica, “Sobre o cuidado da casa comum”, associa à abordagem ecológica a necessidade de uma abordagem social, decalcando alguns dos princípios originários do Cristianismo. Não lhe parece ser este um verdadeiro desafio civilizacional?
O Papa Francisco (Jorge Mario Bergoglio), até pelo significado da escolha do nome em homenagem a Franscisco de Assis, frade católico do século XIII, é um profundo humanista e grande ecologista. É um líder inspirador. A encíclica referida é um importantisso manifesto da importância de cuidar do condomínio Terra e do equilíbrio entre os domínios social, económico e ambiental. Devia ser a cartilha de todos os dirigentes mundiais, independentemente do credo que professam. Infelizmente, o mundo está cada vez mais perigoso, com inúmeros conflitos, desigualdades sociais, fome, aumento de refugiados (religiosos, étnicos, políticos, clima, etc.) e para cúmulo da hipocrisia a indústria do armamento é das mais prósperas do mundo. E não são só as grandes potências a lucrar… Até países aparentemente pacíficos ou discretos têm nessa indústria um dos seus pilares. A indústria fóssil ou a química são também exemplos pela negativa. Voltando à esperança, os valores mais puros de diversas religiões e filosofias laicas têm na sua matriz o respeito pelo Homem e pela Natureza. A interpretação egocêntrica ou extremista é que desvirtua os conceitos.
A história da Humanidade e seus progressos está repleta de exemplos de “voos” impossíveis que alguém ousou empreender. Acredito na capacidade do Homem, através da educação, investigação e cooperação, de “voar” mais alto para ganhar perspetiva e não perder a referência Terra/Planeta e seus habitantes.
É conhecida a sua enorme paixão pelos pássaros. Como descreve a capacidade de voar, quando transportada para as pessoas?
As aves são mestres de voo, pois as que não voam tendem a desaparecer, como é exemplo o DODO que foi extinto pelo maior predador de todos – o Homem. Os aviões, planadores e outras aeronaves inspiraram-se nos pássaros e noutros animais voadores, como os morcegos ou insetos (as abelhas são também exímias voadoras…). Os colibris superam as acrobacias dos mais modernos helicópteros e os gansos voam por cima dos Himalais sem necessitar de máscaras de oxigénio. Temos ainda muito para aprender… O sonho de voar acompanha o Homem desde sempre e é bem personificado na mitologia grega pela figura de Ícaro que tentou deixar Creta voando e caiu no mar, morrendo. As penas de aves coladas com cera aos seus braços derreteram quando Ícaro, contrariando as recomendações de Dédalo, seu pai, se aproximou do sol. Metaforicamente, podemos sim continuar a voar através da nossa imaginação, perseguindo sonhos e quimeras. O processo de criatividade e inovação passa por “dar asas à nossa imaginação”, sair das zonas de conforto e testar novas alturas e novos caminhos. A história da Humanidade e seus progressos está repleta de exemplos de “voos” impossíveis que alguém ousou empreender. Acredito na capacidade do Homem, através da educação, investigação e cooperação, de “voar” mais alto para ganhar perspetiva e não perder a referência Terra/Planeta e seus habitantes. Não há planeta B… E podemos ainda demonstrar que somos um Animal Inteligente.
Pedro Norton de Matos
.