À partida seria apenas um vulgar meio de transporte. Um simples e velho elétrico. Daqueles que desfilam entre os intervalos apertados das filas de carros na cidade de Lisboa. Mas não é assim tão prosaico. Falo do “28”, que me levou outro dia na volta completa, do Martim Moniz aos Prazeres, na Estrela. Para me redimir de conhecer melhor a movida de outras cidades, que não a minha. No “28” recapitulei a história de Lisboa, a das suas gentes e a da sua canção mais tradicional, o fado. Ainda na paragem, muito me regozijou ver que eram mais os de dentro, do que os de fora (não fosse afinal aquilo ser só para turistas). Já dentro, bem sentada e à janela, fui vendo Lisboa na sua marcha habitual. No seu ritmo capital. Do interior forrado a madeira, imaginei a imagem de fora a percorrer as ruelas mais antigas. De anos anteriores à 2.ª Grande Guerra, o “28” emana saúde na pujança do para/arranca a que o trânsito de Lisboa sempre exige. Por vezes, são as próprias gentes, a passar, que o obrigam a parar. Para depois retomar a marcha Lisboa dentro, Av. Almirante Reis acima. Sobressaem os quarteirões pejados de lojas, umas melhores, outras menos boas que tomaram o lugar da avenida onde se instalava a coqueluche do comércio lisboeta das décadas de 1960/1970. Depois vêm os bairros tradicionais, como a Graça, e as suas ruas íngremes e finas, por onde o “28” quase passa de soslaio. Ai o “28”, que terá servido de inspiração a fadistas, como Carlos do Carmo, nas suas interpretações magistrais em homenagem à cidade. A chegar à Estrela, as ruas alargam e o condutor respira fundo, já sem os passageiros a pendura das vielas anteriores. Os Prazeres deixam apreciar uma Lisboa que fica contígua ao bonito bairro de Campo de Ourique e que deixa para trás o perfil sinuoso da carreira. Num abrir e fechar de olhos, o “28” faz inversão do sentido de marcha e retoma o caminho de volta ao Martim Moniz, onde o apanhei e voltarei para ver Lisboa. A bordo do “28”.

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