Alguém de quem tanto gosto falou-me há tempos de um padre jesuíta, Paulo Duarte. Essa pessoa acabara de o descobrir numa livraria e, cativada pelo seu primeiro livro publicado, comprara-o e lera-o de uma assentada. Falou-me com tal entusiasmo desta leitura que daquela conversa saiu a promessa de voltar com o livro, para mo emprestar. Também o li num ápice e passei a seguir o padre Paulo Duarte nas redes sociais, onde é bastante ativo e, para meu grande espanto, também o padre Paulo Duarte passou a seguir o Entre | Vistas.
Um dia percebi, pelos seus posts, que chegaria no final de 2019 mais um livro seu às livrarias, vocacionado para a sua abordagem primordial: a experiência da fé no meio onde muitos a consideram ausente, o dia a dia. Em plena normalidade, normal. A pessoa que me deu a conhecer o padre Paulo Duarte, porém, adoeceu entretanto com alguma gravidade e, com toda a fé, fiz-me presente no lançamento, apresentei-me ao autor e pedi-lhe um livro assinado para a pessoa que me fizera chegar até ele e que, infelizmente, havia adoecido. Num sinal de total renovação, porém, tudo se recompôs. E ambas lemos já o novo livro, com todo o assombro que o padre Paulo Duarte merece.
Rezar a Vida – A experiência da fé no quotidiano consiste num apelo ao essencial; numa espécie de grito para que nos concentremos no silêncio do nosso interior, do nosso ser; num reconhecimento de quem se é; numa evidência do que é luz e do que é sombra, para que nos lembremos da importância de uma e de outra. Neste momento em que se inicia mais um período quaresmal, a visão sensível e sensibilizada do padre Paulo Duarte chega em boa hora para nos esclarecer, caso ainda não o tenhamos percebido, quão novo e próspero pode ser o nosso caminho sempre que o quisermos recomeçar.
«Diminuir a velocidade da vida, dando-me tempo para escutar e ver é exigente», refere o autor. Mas é fundamental «para uma vida com mais sentido». No descanso, devemos conseguir vivenciar um tempo de contemplação e agradecimento. Essencial. Nessa maratona, o padre Paulo Duarte fala-nos da importância dos silêncios. Refere-se, a propósito do silêncio, a Javier Melloni, SJ, que defende o silêncio não como uma ausência de ruído, mas de ego. Por contraponto a esse tempo e espaço de encontro connosco, o padre Paulo recorda-nos a tal vertigem a que praticamente sempre nos devotamos e que pressupõe que nos ultrapassemos. Através de um grito que se impõe entre as suas palavras, sugere-nos que nos atravessemos, ao invés de nos ultrapassarmos. «Quando nos atravessamos, vamos por dentro. É esse o lugar de transformação».
O padre Paulo Duarte segue “incomodando-nos”, advogando que é o próprio Deus que nos quer «”incomodados” para que possamos crescer, maturar, desenvolver». Paulatinamente, vai-se enraizando a sabedoria, com a qual devemos habilitar-nos a reinventar «as palavras, em especial as que humanizam» e a dar «passos de encontro». Falou-se, no lançamento deste seu livro, que estaríamos perante um possível sucessor de José Tolentino Mendonça em Portugal. O padre Paulo Duarte reagiu com um sorriso, repleto de humildade. E com o olhar responsável e certeiro de quem, para não falhar um voo, se coloca em sentido. Traz da aviação, precisamente, a experiência de quem já foi comissário de bordo e, com a maior das convicções, mudou de companhia, transferindo-se para a de Jesus.
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