A objetiva é de Isabel Nolasco. Sou eu que me enquadro, ali, mas é ela que me vê. Falamos de um auto-retrato (visto de fora). Num lugar que é um não lugar. É uma ideia. Uma forma de pensar. E de agir. De intervir. De fazer.
Pegámos nas coisas imprescindíveis para a maratona fotográfica e seguimos para a LxFactory, hoje uma fábrica de experiências, propícia e promotora da intervenção, do pensamento, da produção de ideias. Num ambiente industrial, aparentemente hostil, mas apetecível, de todos e para todos.
Iniciámos na livraria Ler Devagar, uma instituição das letras com 20 anos de idade que nos autorizou e agradeceu a iniciativa. Misturámo-nos com os livros. Escolhemos os nossos. Foi ali que Isabel Nolasco calibrou o olhar para ver em vez de olhar. No Azulejo Oxímero, uma instalação construída a partir da memória do azulejo de cozinha portuguesa, marcámos um instante eterno. Vários, aliás. Fomos atrás das portas velhas, dos esconderijos adversos, dos riscos densos nas paredes, da sujidade antiga e das marcas da intensidade das histórias que por ali passaram e que deram relevo às dos meus olhos. Através da objetiva de Isabel Nolasco, que cristalizou na forma de captar uma forma de mim.
A LxFactory consiste, hoje, num cluster criativo onde se encontram alojadas empresas e profissionais das indústrias culturais e criativas e no âmbito do qual são desenvolvidas iniciativas de comunicação, publicidade, moda, multimédia, arquitetura, música, cultura. Desde 1846, com a implantação naquele lugarejo de Alcântara da Companhia de Fiação e Tecidos Lisbonense, e durante largas décadas, foram chegando ali vários e importantes complexos fabris da capital portuguesa. Mas a natureza fabril que hoje lhe dá o âmago e o propósito de contribuir para um ambiente cultural e uma dinamização de indústrias criativas fundamental, era à época sinal de periferia. E que, desde há uns anos, se integrou na cidade, que destinou ao mesmo lugar uma centralidade e uma dinâmica tão merecidas. E onde vivemos, naquela tarde, devagar. Como devagar anda o tempo, quando fixado numa fotografia que nos lê.
Isabel Nolasco | Fotografar com outros olhos
Durante mais de 30 anos em atividade jurídica e, ao longo de muitos desses anos, com funções de gestão de equipas e projetos numa das organizações mais emblemáticas do país, Isabel Nolasco é o exemplo vivo de quem seguiu atempadamente um sonho antigo: fotografar.
Com o olhar. As mãos. O coração. De corpo e alma, como se diz. O talento estava-lhe no clique que descarregava na sua objetiva de turista. Mas uma curiosidade intrínseca levou-a a ganhar conhecimentos técnicos e a especializar-se. Um aprimorado sentido de aperfeiçoamento coligido à vocação de enquadrar e emoldurar a partir dos olhos que veem (em vez de olhar). Naquele sentido de Lobo Antunes, o saudoso neurocirurgião: «ouvir com outros olhos».
Tem sido esse olhar treinado para ver, precisamente, que Isabel Nolasco tem levado a diferentes latitudes do mundo, por onde viajou, por onde morou, por onde registou o ser humano, num contributo para esse tornar comum que a boa cultura sempre opera e enaltece. Viveu em Timor-Leste durante quase 10 anos, onde conviveu com outros fotógrafos com quem se valorizou e aprendeu. Do Sudoeste Asiático e do Médio Oriente, por onde se empenhou em captar a essência de civilizações plurais, Isabel Nolasco compilou matérias-primas para se especializar ainda mais, no seu registo documental e de street photography, no humano.
Tem o curso profissional de fotografia da World Academy Portugal e as suas diferentes publicações já integraram projetos artísticos ao lado de fotógrafos de nomeada e artistas plásticos. Venceu o concurso Discoveries Awards 2019 da Via Verde na categoria de Fotografia e continua a aprofundar o melhor ângulo. Publicou um livro, Latitudes da Semelhança, e prepara outros. Na temporada de confinamento, vai lançar em 18 de junho de 2020, em coautoria com Cendrine Marrouat, o e-book de fotografia Photography of Life and Living.
Website: www.isabelnolasco.com
Instagram: @isabelnolascophotography
.