CContador de histórias, narrador. Humorista. Autor. Mestre de cerimónias em eventos fora de formato. Irreverentes como ele. O seu nome vai soando alto no registo de stand-up comedy. Do Alentejo, de Beja, traz as raízes e das raízes um sentido de humor e um jeito para a palavra convocados pelo talento. Parece ter nascido já com esse humor e o dom para contar. Vê o humor como uma plataforma de entendimento, de fortalecimento de laços, de protocolo de confiança. Aos 23 anos de idade, descobriu como colocar contos de tradição oral ao serviço da dinamização da leitura. Contar para levar a ler. No próximo domingo, mantendo-se no território da palavra e numa sinergia com uma figura de primeiro plano da música nacional, contará ao lado de quem canta. Será ele e o Tim, no concerto Histórias sem Fim. Dois amigos inesperados que, em palco, numa tertúlia feita de música e histórias, revisitarão memórias, tradições, referências e darão à palavra o seu significado vivo: humanizar. Aqui, Jorge Serafim desvenda o que podemos esperar para ver… e ouvir. E acrescenta a importância da palavra.
Qual era a probabilidade desta dupla improvável: Jorge Serafim e Tim? Como nasceu?
Aparentemente as probabilidades seriam mínimas. Mas depois do convite para integrar o colectivo “Tais Quais”, criei relações de amizade com os vários elementos do grupo. Entre os quais o TIM. Nas muitas conversas que partilhamos surgiu a ideia de criarmos algo em conjunto. Um espectáculo intimista, que deslindasse percursos distintos e que os cosesse num só palco. Como um tecer que entrelaça histórias de carreira, canções com contos e poemas. Nada mais, nada menos do que palavras com palavras nas suas diversas manifestações artísticas.
O interessante, é que com a música do TIM e o meu repertório de contador de histórias, intrincamos contos de tradição oral, com poemas de Manuel António Pina e Álvaro Magalhães.
Contar ao lado de quem canta… Os 40 anos de carreira de um músico que definiu o rock & roll em português é desde logo um património de referências e uma inspiração para a conversa, certo? Como é que convivem a música e as histórias neste concerto único?
É de facto uma inspiração. Pois as referências são o resultado de um imenso património acumulado pelo TIM ao longo de 40 anos de carreira. O que torna o desafio mais aliciante. Porque, e convém salientá-lo, as diversas manifestações artísticas não reconhecem fronteiras para criar as suas próprias pontes. As músicas sejam elas de que género forem, contam histórias. O interessante, é que com a música do TIM e o meu repertório de contador de histórias, intrincamos contos de tradição oral, com poemas de Manuel António Pina e Álvaro Magalhães. E sente-se que o ritmo da narração, da leitura de um texto e o do cantar de uma canção, assumem uma só voz.
A leitura dá-nos o poder da contradição, de não assentar alicerces numa inércia mental, solidifica a argumentação.
Temos vindo a refletir o país e o ser português… Pergunto-lhe se temos ou nos falta esse saber contar uma boa história?
Muita falta de ouvir boas histórias e de ler, ler e ler. Interrogar o que nos invade massivamente, diariamente. A leitura dá-nos o poder da contradição, de não assentar alicerces numa inércia mental, solidifica a argumentação. Vi algures escrito uma frase que deveras me entusiasmou e que me acompanha desde que a conheci: “A leitura prejudica gravemente a sua ignorância!”.
Reportando ao seu romance Não há Seda nas Lembranças, há uma avó que resolve medos contando contos. Considera que esta conjuntura de pandemia, que nos votou a uma rotina de paragem, pode gerar as condições para uma disponibilidade maior para o tempo da leitura, do contar, da palavra?
Esta situação peculiar induziu nos cidadãos uma maior propensão para a escuta. Os contos populares são uma extraordinária ferramenta de diálogo entre as pessoas. Mais do que uma moral, são um ensinamento. Uma forma de terapêutica de lidar com as expectativas e as adversidades da vida. Pois neles, está constantemente implícito a dualidade. Amor e ódio. Arrogância e humildade. Avareza e partilha. O bem e o mal. São um maravilhoso reflexo do ser humano. Um espelho que os confronta. Assim sendo, neste inusitado contexto, parece-me que o contar histórias e o recuperar do tempo da palavra demorada, despertou nos cidadãos uma maior valorização sobre o que realmente é e será mais importante para as suas vidas. Como que uma avaliação interna sobre a forma como temos agido diariamente.
Quer contar-nos uma boa história?
Num contexto em que os preconceitos germinam e se disseminam como ervas daninhas, creio na força e no sentido das palavras para mondar estas ignorâncias invasivas. Cito “Estrangeiro”, uma história de Eduardo Galleano:
Num jornal do bairro do Raval, em Barcelona, uma mão anónima escreveu: o teu deus é judeu, a tua música é negra, o teu carro é japonês, a tua pizza é italiana, o teu gás é argelino, a tua democracia é grega, os teus números são árabes, as tuas letras são latinas. Eu sou teu vizinho. E ainda me chamas estrangeiro?
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