São mais de 40 mil livros que hoje chegam às mãos da cidade de Lisboa. Tantos os que pertenciam à biblioteca pessoal de Alberto Manguel, intelectual e escritor argentino recentemente desafiado por Fernando Medina, Presidente da Câmara de Lisboa, a partilhar com a capital portuguesa e os portugueses a sua biblioteca, eternizando-a.
O acordo com a autarquia prevê, para além da dinamização da biblioteca, também a criação de um Centro de Estudos sobre História da Leitura. Ao todo, contar-se-ão cerca de 600 metros quadrados, no Palacete dos Marqueses de Pombal, na Rua das Janelas Verdes, em Lisboa.
Não nos esqueçamos de que Alberto Manguel, que lera na sua adolescência para Jorge Luis Borges, é assumidamente sobretudo um leitor. Antes de ser escritor. Como Borges. Com um interesse inacabado sobre a história e a condição da leitura, a função do livro como elemento de agregação comunitária, o papel da cultura como aquilo que fica depois de tudo o resto. A sua biblioteca consiste, porventura, no seu melhor retrato autobiográfico, pelos livros incluídos e pelos que ficam de fora. E pelo desejo já proferido de nela conter ainda algumas obras, como a Bíblia de Guntenberg. A sua biblioteca, agora cedida a Lisboa, materializa a capacidade de prolongar no tempo a vida que sabe ser finita e que, como nos livros, no fim se define melhor.
Na sua entrevista hoje publicada na “E – A Revista do Expresso”, Alberto Manguel faz uma alusão a essa relação entre a linha da vida e o tempo dos livros: «Mesmo o mais belo livro do mundo deve ter um fim. E é na conclusão que ele se torna aquilo que é. Eu sei que estou no último capítulo. Restam-me algumas páginas, mas estou absolutamente satisfeito com as leituras que pude fazer».
A chegada da biblioteca de Alberto Manguel à cidade de Lisboa é, possivelmente, não só o maior marco cultural de 2020 (e de uma série de anos para trás e para a frente), como uma evidência de que ainda se pensa no futuro, o que, tendo em conta o ano inusitado que atravessamos, atribui ao acontecimento um simbolismo ainda mais significativo. Saibamos nós dar-lhe o devido valor.
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