Na Feira do Livro de Lisboa deste ano, carregada de simbolismos impostos pela pandemia, assisti ao lançamento do primeiro livro de André Osório, publicado pela Guerra & Paz Editores: Observação da Gravidade. Com apresentação de Fernando Pinto do Amaral e poemas lidos por Tiago Rodrigues, Prémio Pessoa 2019, Observação da Gravidade surge com a empatia dos gestos que nos tocam, das palavras que nos marcam, dos significados que nos alteram o olhar. O mesmo poeta que cofundou em 2019 a revista literária “Lote”, André Osório, vem agora contar-nos os seus próprios poemas. Escritos pela mão dos 21 anos que tinha no dia do lançamento e que, agora, são já (só) 22.

Dividido em três partes que funcionam como uma espécie de divisor de águas – “Gravuras”, “Observação da Gravidade” e “Museologia” –, o livro que ganha para título o nome da segunda parte retrata uma ideia de construção biográfica, uma busca da identidade, uma relação entre o que vê o olhar e o que recebe devolvido. Em “Gravuras”, assistimos, como que num movimento de fixação do tempo sugerido pela imagem da gravura, a uma ideia de infância. Já a “Museologia”, que nos reporta para o estudo dos museus, pressupõe uma noção de arquitetura do que se mostra e em que espaço. “Observação da Gravidade” surge como o chapéu que cobre o próprio processo de escrever poesia.

Ao longo de todo o livro, vamos observando referências contínuas à casa. «Atravessar o tapete de casa/ é um ato de recordação». Noutro poema, André Osório fala-nos no «olho de uma casa/ que olha para dentro» e, num outro, adverte: «Importa caber nos vestidos das casas/ a eles sempre voltamos». É a casa como lugar identitário e ilustrativo de um espaço de segurança e interioridade e, como no fio condutor do livro, de construção biográfica. Mas também nos damos conta de um sentido da casa relacionado com o que carregamos para onde quer que vamos, ou seja, aquilo que somos. Num exercício de interiorização de que o que está dentro e o que está fora são duas expressões para uma mesma coisa: o ser.

O tempo para o qual viaja a Observação da Gravidade é também o da infância, aquele em que dava para «brincar sem saber/ o que fazer/ às mãos». E aí André Osório deixa-nos memórias concretas dos primeiros anos, designadamente no poema “A Apanha de Conquilha”, que recupera uma cena algarvia das férias de verão, pejada de afetos, detalhes e rituais formadores da personalidade [poética].

Na contracapa de Observação da Gravidade, lemos um novo poema: «O fruto pertence ao tempo/ que escapa/ o tempo do fruto/ cheio com a forma do mundo/ como circunvalação/ a unidade do fruto/ abarcada pela saliva/ da terra/ o fruto que colhe o tempo/ sem o estiolar na boca». Em bom rigor, dizendo que o livro não acaba no fim. Não acaba, ponto. Ou que a poesia continua. Tão necessária nestes tempos periclitantes, exigentes, exasperantes.

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