Por entre as voltas da rotina, meti à revelia do meu próprio tempo útil uma escapadela à Livraria Escriba, na Rua Cooperativa Piedense, na Cova da Piedade. Um lugar obrigatório e tutelar na rota das livrarias. E um lugar carregado de simbolismo, para mim. Desta vez, fui à procura de livros de poesia da não (edições) e da abysmo. Levei o meu filho mais velho, que já lê.
Expliquei-lhe que era ali que, no tempo do secundário e da faculdade, comprava muitos dos meus livros. Lembro-me do dia específico em que lá fui buscar obras de Immanuel Kant e Bertrand Russell. Estávamos no final dos anos 90 e em filosofia falávamos de ontologia, gnosiologia e epistemologia.
Entre as estantes carregadinhas dos parcos metros quadrados da Livraria Escriba, sobressai a figura inconfundível, que agora voltei a encontrar, da livreira, Rosa Alface. A personificação do que um bom leitor espera de um livreiro. Que oriente, que conheça os autores, e as editoras, que já tenha lido, que saiba por onde andam os livros e conheça o seu cheiro. Que seja, primeiro, um leitor. E ali foi assim. Sempre foi. Desde o tempo em que lá me demorava, noutros tempos. Quando comecei a ler Milan Kundera, Pedro Paixão ou Luís Sepúlveda. E me fazia leitora.
E como o (re)encontro com os livros se reveste sempre de coincidências e inopinados episódios, curioso foi que, já quando me preparava para sair, a senhora que entrara a seguir a mim, depois de uma procura solitária pelas prateleiras dos autores da lusofonia, perguntou o que havia de Clarice Lispector. A minha inquietação e o meu desassossego comportaram-se. Não abri a boca, para não influenciar o caminho inicial de quem se introduz em Clarice. Já causei estragos nessa matéria. Mas saí a pensar: nos anos 90, não me soaria a nada o nome de Clarice. Neste regresso à Livraria Escriba, porém, ela aparece a validar e a pontuar o (meu) trajeto de leitora. Não terá sido à toa que tenha sido Clarice a fazê-lo.
À saída, nas mãos, para além do peso das memórias, trouxe poesia. De Filipa Leal e Inês Fonseca Santos. Embrulhada num pacote de papel pardo da Livraria Escriba, com uma espécie de claim escrito: Ler para Viver.
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