Fotografias com cortesia de Sony DSC.

 

A partir do território da lusofonia, o seu nome tornou-se internacional e a sua obra com dezenas de livros, entre romances, poesia e conto, encontra-se traduzida para mais de 30 idiomas. José Eduardo Agualusa nasceu no Huambo, em Angola, em 1960. Estudou agronomia e silvicultura e foi jornalista. Vários dos seus livros foram reconhecidos com prémios prestigiantes. O Vendedor de Passados ganhou o Independent Foreign Fiction Prize, em 2007, e Teoria Geral do Esquecimento foi finalista do Man Booker International, em 2016, e vencedor do International Dublin Literary Award, em 2017. Na sua divisão do tempo entre a Ilha de Moçambique e Lisboa, José Eduardo Agualusa gere tempos de escrita, consolida olhares na fotografia, testemunha o mundo que o seu background de cidadão global permite imprimir às obras que assina, onde ele próprio caberá, cabemos nós e cabe a humanidade inteira. Porque a boa literatura tem esta medida infinita. E de uma infinitude possível de questões que lhe poderiam ser lançadas, surgem estas, sustendo a sua vida literária numa dúzia de perguntas, como se isso fosse possível. 


Comecemos pelas raízes. O que continua a existir em si do tempo do Huambo, a cidade onde nasceu?

A infância é o tempo mais largo das nossas vidas. Estou constantemente a regressar à minha infância, ela alimenta-me e fortalece-me. Ultimamente, venho pensando inclusive em regressar fisicamente ao Huambo, de forma mais permanente. Depois de viajar tanto, o que me apetece agora é estar num lugar onde não necessite de explicar quem sou.

Viveu já em diferentes países, mas há sempre um regresso à Ilha de Moçambique ou a Lisboa. Pertence afinal a algum lugar (ou é um incorrigível cidadão do mundo)? 

Sou um angolano que viajou muito. Viajar acrescenta-nos humanidade. Quanto à pertença, creio que somos de todos os lugares onde nos reconhecem e nos amam.

O escritor é um cidadão privilegiado, na medida em que tem voz — ou seja, em que pode ser escutado.

Que atributos pode ter ganho para a escrita a partir das suas formações em Agronomia e Silvicultura?

Muito pouco. Se me fosse possível voltar atrás trocaria a agronomia por História ou Artes Plásticas. Sinceramente, sinto que perdi dias da minha vida.

Assume desde há muito um olhar crítico sobre questões políticas e sociais enunciativas da sociedade angolana. O escritor também tem, do seu ponto de vista, esse papel denunciador e de mobilização?

Com certeza, o escritor é um cidadão privilegiado, na medida em que tem voz — ou seja, em que pode ser escutado. Creio que tem uma obrigação relativamente àqueles que lhe deram esse poder, os seus leitores: a obrigação de estar atento e de tentar criar debate.

José Eduardo Agualusa Entre Vistas 76

Um dos meus filhos, com 7 anos, lê textos seus na sala de aula, desde logo Estranhões & Bizarrocos (2000). Como olha para a responsabilidade de ter, no seu universo de leitores, alunos que estão a aprender a ler e a escrever? 

É uma alegria muito grande. Conheço leitores que me seguem desde a escola primária. Por outro lado, também eu aprendo muito ao escrever esses livros, esforçando-me por prestar atenção ao mundo, e ao tempo, no qual essas crianças vivem. Ter filhos ajuda muito.

Intriga-me um olhar sobre a pergunta que deixa implícito em alguns dos seus livros, como Os Vivos e os Outros (2020), no qual me parece haver uma crítica subjacente e contínua ao entrevistador/moderador. Há um défice de boas perguntas na área da cultura? Ou é mesmo o ato de perguntar que, num mundo que procura respostas prontas a servir, está em crise?

Infelizmente, o jornalismo cultural perdeu espaço e foi-se degradando, nos últimos anos, com o lento colapso dos jornais em papel. Por exemplo, hoje quase não há espaço para a crítica literária. Sinto falta dos grandes nomes da crítica literária em língua portuguesa, quer enquanto leitor , quer também enquanto escritor.

A Poesia começou por ser uma disciplina da magia. Foi realmente assim. E acho que ainda guarda desse tempo a capacidade de ver o que, sendo evidente, tantas vezes não conseguimos discernir.

Reiniciar o mundo através da palavra, repensar e refazer o mundo a partir da importância de contar histórias. Poderia ser este o nosso (da humanidade) propósito para a próxima década?

Sim, precisamos urgentemente de criar novas utopias. As novas tecnologias prometem-nos o paraíso, mas também nos aproximam do inferno. Mais do que nunca, temos a possibilidade de escolher entre destruir o nosso planeta ou construir um futuro sustentável, respeitando todos os seres vivos. Sabemos como o fazer e temos os instrumentos para isso. Pela primeira vez na História temos realmente uma escolha. Podemos escolher.

É um discípulo de Eça. O que (ainda) retém dele?

A ironia e o bom humor, além da elegância da linguagem e do pensamento.

Já se referiu à poesia por ter começado por ser uma disciplina da magia. Quer comentar?

A Poesia começou por ser uma disciplina da magia. Foi realmente assim. E acho que ainda guarda desse tempo a capacidade de ver o que, sendo evidente, tantas vezes não conseguimos discernir. No fundo, poesia é a arte de dar a ver o evidente.

José Eduardo Agualusa Entre Vistas 77

A grande literatura faz-nos perceber que somos a humanidade inteira. É uma frase sua. É assim, certo?

Sim, um bom romance oferece-nos a possibilidade de assumir a pele de outras pessoas, de olhar o mundo através dos olhos de outras pessoas. Esse é um exercício poderoso, que, sem dúvida, fortalece a empatia. Precisamos todos muito disso.

José, se pudesse, vendia o seu passado?

Não. O meu passado faz-me muita falta, com todos os seus dias bons, e todos os seus dias maus. Sou a soma desses dias bons e desses dias maus.

E o que pensa fazer com o futuro?

O futuro é o passado por estrear. Então, penso aproveitá-lo o melhor possível, evitando muitos dos erros que cometi ao longo da minha vida.

José Eduardo Agualusa Entre Vistas 78

[Entrevista publicada em articulação com a Baiga Magazine, no âmbito da parceria celebrada entre ambas as plataformas digitais para a promoção de autores, ideias e iniciativas de referência na lusofonia.]

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