Paula Rego conta-nos sempre (pelo menos) uma história. Através dos seus quadros, ressoam palavras nas imagens que vemos e essas palavras vão articulando narrativas, como se de um novelo com vários fios emaranhados, que podemos puxar, se tratasse. Até 10 de setembro, no Museu do Centro Cultural de Belém (CCB), é pela sua mão que assistimos à exposição “Um foco em Paula Rego”, com «um conjunto de obras da primeira época de produção da artista».
Sabemos que essas histórias que nos conta Paula Rego, aqui a partir da obra central O Impostor, nem sempre são claras ou explícitas, como de resto acontece na arte, lato sensu. Podemos dizer, no caso de Paula Rego, que «são tratadas em camadas sucessivas de tinta e colagens que se sobrepõem, ora revelando personagens, ora escondendo-as». São estas colagens, precisamente, que tornam mais dúbia, complexa, misteriosa e porventura mais atrativa toda a sua obra, que se mantém paulatinamente assente em histórias que se contam e carregam um tom psicológico, pesado, estranho, por vezes autobiográfico.
Também patente no Museu do CCB até 10 de setembro, encontramos “Em Bruto: Relações Comoventes”, de Fernanda Fragateiro, uma mostra resultante do convite recebido pela artista da Fundación Cerezales Antonino y Cinia, em Espanha, por ocasião da primeira apresentação do projeto em 2022. Aqui, vemos uma grande instalação dialogando de forma inovadora com a arquitetura e os arquitetos que têm vindo a influenciar e a formar o pensamento da autora. Traves, cavaletes e barrotes convocam noções de reconstrução e reconfiguração do espaço, lançando o mote para uma reflexão renovada da cidade e da modernidade.
Na conexão entre a instalação inicial e um espaço dedicado a materiais de investigação de Fernanda Fragateiro, Materials Lab, vamos denotando a ligação entre o ideário da artista, com o seu pendor simultaneamente político e poético, e o espaço público nestes moldes interpretado e detonador de um «sistema de aprendizagem». «Fernanda Fragateiro recorda-nos que alterar o rumo coletivo que no passado nos conduziu a guerras e ruínas depende da nossa capacidade de decifrar quais as imagens que chegam até nós – aprendidas de muitas outras e outros – conservam potencial de reconstrução nas suas formas e abordagens, ou até quais seria necessário criar agora». No fim da visita, talvez fique a noção (que me parece sugerida em todo o arco da narrativa da exposição) de que «ver, tocar ou desenhar são ações que podem ramificar o futuro». E torná-lo melhor.
No pano de fundo, temos a Coleção Berardo, coligindo mais de 1000 entre as obras incontornáveis da história de arte do século XX, de Pablo Picasso a Amadeo de Souza-Cardoso, passando por Salvador Dalí, Francis Bacon, Roy Lichtenstein, Richard Serra, Julião Sarmento, entre outros. O arranque faz-se com as vanguardas históricas, que vieram desafiar os cânones tradicionais: o cubismo, o construtivismo, o dadaísmo, o neoplasticismo, a Abstraction-Création e o surrealismo. Nestes movimentos, foram exploradas novas perspetivas sobre o mundo e a função da arte e dos artistas, as quais ganham novas formas, visíveis nesta exposição, depois também em obras de artistas emergentes do pós-guerra. Nesta viagem pela arte moderna e contemporânea, é desenvolvida uma proposta de reaproximação à importância da criatividade e do elemento abstrato para retratar o real.
Ainda no Museu do CCB, e num bom desafio para levar as crianças às artes, surge a exposição “Dos Pés à Cabeça”, com curadoria de Cristina Gameiro, com um foco «na forma como os artistas modernos e contemporâneos pensam, representam e apresentam o corpo humano», um fascínio, afinal, de miúdos e graúdos.
Não são poucas nem desprezíveis as razões para irmos ao CCB.
.