2024 foi um dos anos recentes em que mais li, ainda que continue sem conseguir explicar metodicamente como incluo na minha rotina as várias leituras. Continuo também a desfrutar dessa dança (tango) que relaciona as escolhas planeadas sobre os livros que queremos ler e aqueles que lemos por nos terem aparecido à frente, inusitadamente, e com impacto surpreendente na forma como vivemos. Ler é esta descoberta imprevisível do mundo, através da qual nos (re)descobrimos.
É singular o primeiro livro que li em 2024: Somos a primeira pessoa do plural, de José Luís Peixoto, que é sobre nós e sobre os outros. «Entender os outros não é uma tarefa que comece nos outros». Qualquer entendimento parte sempre de nós. «Os outros até podem garantir que estamos a entendê-los. Mas essa será sempre uma fé. Aquilo que entendemos está fechado em nós. Aquilo que procuramos entender está fechado nos outros». Há também neste livro uma proposta de reflexão sobre esse território de pluralidade em que cabemos nós e os outros e que é muito mais efetivamente plural, rico e irreverente do que o lugar individual, apesar de um certo «invisível que nos afasta».
Também fez parte das minhas leituras O Quarto do Bebé, o livro em que Anabela Mota Ribeiro se estreia no romance. Combinando elementos autobiográficos e reflexões filosóficas, universais, este romance sai pela mão de Anabela Mota Ribeiro a vincar o confinamento, uma doença e uma longa gestação. A narrativa que lemos parte da descoberta, pela filha de um psicanalista falecido, de um diário pertencente a uma das pacientes do pai, Ester do Rio Arco, intitulado “Fala Orgânica”. A leitura deste manuscrito torna-se uma experiência transformadora para a protagonista, levando-a a revisitar as suas relações e, a partir do tempo presente do seu diário, a imergir nas fundações da própria vida.
Um outro título, A Trégua, de Mario Benedetti, levou-me à cidade de Montevideu, onde assistimos a uma narrativa centrada em Martín Santomé, um homem sobre os cinquenta (idade dada a balanços), que conta há cinco anos consecutivos o tempo para a chegada da reforma. Na perspetiva de viver num registo de ócio impermutável e ultrapassar os dias habituais e comuns de uma rotina de trabalho indesejada. Tem assinatura de um dos mais aclamados escritores sul americanos, que se coloca na pele da Humanidade. É desse lugar que é contada a história, com uma beleza melancólica, capturando a solidão e o renascer do amor num contexto de rotina e desencanto. Benedetti escreve com uma sensibilidade que transforma o comum em extraordinário, num enredo que permanece connosco muito depois da última página.
O livro De Estafeta a CEO, que recebi um dia das mãos de Rui Bairrada, o autor, foi também uma das minhas leituras em 2024. Regista a cumplicidade e a visão que temos em comum sobre a liderança, o talento, a diversidade. É um testemunho na primeira pessoa de um trajeto ascendente, marcado pela tónica de um empreendedorismo vocacional que se ligou a opções com propósito, corajosas, visionárias. Quando entramos no testemunho do autor, vamos conhecendo factualmente a cronologia desse percurso aspiracional, seus dilemas e convicções, e logo ganhamos a perceção de que há no Rui Bairrada uma ambição que nunca se desliga de uma enorme generosidade e visão humanista.
Enriqueceu as minhas leituras o ensaio Compromisso com o Futuro, de Francisco Jaime Quesado, que tangibiliza a lógica cronológica da evolução do passado para o presente e para o futuro, com um ritmo ordenador dado ao tempo, numa evidência relevante sobre a agenda de mudança em que nos devemos (saber) envolver, enquanto cidadãos com desafios individuais e coletivos. Porque há «um exercício de ligação permanente com o futuro que nos move a todos e que nos incentiva a ter uma atitude permanente de construção sobre o que somos, o que fazemos, o que queremos ser e o que queremos fazer», diz-nos Francisco Jaime Quesado, abrindo uma janela de leitura para mais este livro que assina.
Também dediquei tempo à leitura de Alguém Falou Sobre Nós, de Irene Vallejo, um mergulho fascinante na história dos livros e da leitura e que nos transporta desde a Antiguidade até ao presente, revelando como o amor pelos livros atravessou séculos e moldou civilizações. Uma obra repleta de curiosidades históricas e reflexões sobre o poder transformador da literatura.
Mantive-me longe no tempo, com Cícero e a sua reflexão Sobre a Velhice, um clássico que continua a ser tão relevante hoje quanto na Roma Antiga. Cícero oferece-nos uma visão otimista e filosófica sobre o envelhecer, defendendo que a velhice pode ser um tempo de sabedoria, virtude e serenidade, se aprendermos a vivê-la bem.
Calcorreei sobre a importância de andar devagar, com o livro Só Avança Quem Descansa, de Vasco Pinto de Magalhães, SJ. Num mundo que valoriza a pressa e o desempenho constante, este livro é um bálsamo. O autor defende que parar não é apenas necessário, mas essencial para avançar com propósito e significado. Uma reflexão profunda sobre a importância de equilibrar trabalho e descanso.
Com Tommy Spaulding, fui inspirada a influenciar positivamente todos os dias alguém, através da leitura de O Dom da Influência, um guia prático e inspirador sobre como as nossas ações podem ter impacto duradouro nos outros. Spaulding demonstra que a influência verdadeira nasce da autenticidade e do desejo genuíno de melhorar a vida das pessoas ao nosso redor.
Regressei, como o faço todos os anos, a José Tolentino Mendonça, com O Hipopótamo de Deus e Outros Textos, uma coletânea de textos poéticos e ensaísticos em que encontramos o sagrado nos detalhes mais simples da vida e o divino em nós e ao nosso redor, com uma linguagem que mistura espiritualidade e poesia.
Fui de viagem com José Pedro Castanheira e a sua Volta aos Açores em 15 Dias, um convite irresistível a explorar os Açores, com descrições ricas que nos fazem sentir o aroma do mar e ouvir o vento das ilhas. Uma obra que junta viagens, história e cultura, despertando a vontade do desconhecido.
Fui desafiada por Martim Sousa Tavares a Falar Piano e Tocar Francês, com um tom descontraído e ao mesmo tempo profundo, neste livro em que o autor entrelaça música, literatura e experiências pessoais num diálogo apaixonado sobre as artes. É uma leitura absolutamente enriquecedora, ideal para quem busca descobrir novas formas de olhar para a cultura.
Também fez parte das minhas leituras em 2024 Deus na Escuridão, de Valter Hugo Mãe, uma obra em que somos convidados a refletir sobre o divino, não como algo distante, mas como uma presença na escuridão, nos nossos medos e dúvidas. Com a sua prosa inconfundível, o autor traz-nos conforto e provocações em igual medida.
A terminar o ano, acompanhou-me mais um livro instigante, A Última Conversa – Agostinho da Silva, uma entrevista de Luís Machado, com Prefácio de Eduardo Lourenço.
2025 começou. E volta a estar tudo em aberto no paraíso de que Borges nos falou. Venha o tango literário, que não nos falha.
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