Na cidade de Montevideu, assistimos a uma narrativa centrada em Martín Santomé, um homem sobre os cinquenta (idade dada a balanços), que conta há cinco anos consecutivos o tempo para a chegada da reforma. Na perspetiva de viver num registo de ócio impermutável e ultrapassar os dias habituais e comuns de uma rotina de trabalho indesejada. É A Trégua, com assinatura de um dos mais aclamados escritores sul americanos, Mario Benedetti, que se coloca na pele da Humanidade. É desse lugar que é contada a história.

Enquanto conta um após outro os dias, Martín Santomé despista a passagem do tempo com o registo diarístico dos acontecimentos que lhe entram pela vida e acomodam na sua viuvez a relação pouco afável com os três filhos. São os dramas e as normalidades de uma vivência cheia de nada e de tudo. Embutida na impressão de que «tudo foi demasiado obrigatório para que eu pudesse sentir-me feliz». Diz-nos. E segue num diário disciplinado, no tom compungido e revezadamente entre a vontade declarada de desacelerar os acontecimentos e a pressa obsessiva.

Perante o desafio recebido de assumir uma responsabilidade maior na hierarquia da empresa, fintou o tempo com o intuito sempre omnipresente de chegar à reforma. E de ver olhos nos olhos o ócio, tido para si como infungível. Deixa latente a crítica lançada aos falsos líderes, iludidos no seu poder efémero, pouco determinante: «para esta pobre gente o máximo é um dia sentar-se nos cadeirões do Conselho, experimentar a sensação (que para outros seria tão incómoda) de que alguns destinos estão nas suas mãos, ter a ilusão de que resolvem, de que dispõem, de que são alguém».

Damo-nos conta de um personagem com sentido crítico, pensamento de compleição robusta, hábil leitura dos acontecimentos. «Para olhar para os jornais, é preciso baixar os olhos», refere numa crítica feroz aos media e à sua mestria para dizerem hoje o contrário de ontem. Também de um personagem que sabe o que quer, na sua qualidade do viúvo que se fez à vida, educou os filhos e ganhou uma segunda oportunidade para (re)viver o amor.

Um homem a quem o ócio cai por terra. No peito daquele «único futuro tangível que se chama amanhã». E que em nada se compara com o hoje.

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