Depois da notícia do encerramento da editora Livros Cotovia, que a todos (pensarei eu) nos deixou boquiabertos e tremendamente mais pobres, para mais chegada em 2020 em plena Feira do Livro de Lisboa, fui acompanhando com atenção os desenvolvimentos de um acervo admirável, a destinar. Com o fim da Cotovia, somos todos, é o país inteiro que perde uma parte substancial da sua cultura e da sua capacidade de divulgar entre portas nomes e títulos da literatura e da poesia mais respeitados a nível internacional. Mas a verdade é dura, cruel: foram entretanto fechadas as suas portas, para nosso desgosto e perda incomensurável.

Já ao seu imprescindível acervo têm vindo a ser dadas várias oportunidades: como informou a própria Cotovia, na página do Facebook, a «livraria Poesia Incompleta adquiriu o acervo de Poesia da Cotovia»; «a Companhia Portugueza do Chá, das lojas excelentes de Lisboa ([email protected]), adquiriu em exclusivo alguns títulos maravilhosos, relacionados com o Oriente»; «alguns, poucos, pequenos livreiros têm alguns exemplares»; «até ao fim de Maio ainda podem comprar-nos directamente os nossos livros, através do email: [email protected]».

Das memórias que a Cotovia me deixa, partilho duas ou três. Fui ávida leitora de coisas que apareciam na imprensa sobre André Jorge, cofundador e editor da Cotovia. Um homem que era, aliás, dizem os que o conheceram, a própria Cotovia, depois justa e merecidamente entregue a Fernanda Mira Barros. Pelas recomendações de André Jorge, cheguei a autores vários, desde logo um dos que tive o privilégio de entrevistar aqui: Marcelo Mirisola, escritor brasileiro com dois dos seus romances publicados em Portugal pela Cotovia, Bangalô e O azul do filho morto. Pelo meio, numa das minhas gravidezes já bem avançada, dirigi-me à livraria da Cotovia, lugar obrigatório no roteiro cultural português, e trouxe empilhada nas minhas mãos orgulhosas dos seus livros a coleção Curso Breve de Literatura Brasileira, com autores incontornáveis, de Machado de Assis a Clarice Lispector, Nelson Rodrigues, Graciliano Ramos ou Carlos Drumond de Andrade.

Apesar dos obstáculos que têm vindo a enfrentar na distribuição dos livros que restaram, a Cotovia advoga: «Fechar uma empresa que é a nossa vida acaba com todas as forças. Mas não acaba com critérios: há compradores excluídos à partida, e razões para isso. Neste labor temos andado: tratando de encontrar uma solução que não passe por desbaratar (o verbo é esse)». E avançou com uma ideia consolidada sobre a importância do livro: «Um livro, qualquer livro, é das coisas mais baratas do mundo. Abatem-se árvores por ele. E mesmo o pior autor do mundo gastou dezenas de horas, cansaços, embaraços, crises pessoais por ele. Um livro, qualquer livro, é uma coisa séria na vida de alguém. E a vida de alguém é uma coisa séria. Independentemente de ficar para a posteridade».

E como praticamente todo o acervo é merecedor de posteridade e estes livros, é certo, «valem mais do que custam», não nos passará ao lado esta oportunidade derradeira de entrar em contacto com a Cotovia (através do endereço [email protected]) e pedir-lhe diretamente títulos ainda existentes. O último dia de maio é o limite para o fazermos. Eu já escolhi os meus. São estes:

A prática da arte, Antoni Tàpie

A mesa está posta, Jorge Silva Melo

Louco para não dar em louco, Adam Phillips

Quando eu era fotógrafo, Félix Nadar

A angústia da influência, Harold Bloom

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