Em 1916, Amadeo de Souza-Cardoso (1887-1918) apresentava a sua obra, pela primeira vez em Portugal, num dos eventos artísticos mais polémicos da época. Cem anos depois, o Museu Nacional de Arte Contemporânea do Chiado recria a mesma exposição, que fora tão controversa quanto importante para o conhecimento da arte portuguesa.
Sabendo que sairia hoje de cena, fui lá há dias para a ver, aproveitando o rescaldo que ainda se dá na minha cabeça da exposição que tive também já oportunidade de ver, a de Almada Negreiros, no Museu Calouste Gulbenkian, e sobre a qual já aqui escrevi. Se a de Almada ficará até junho, a de Souza-Cardoso tinha os dias contados e, por isso, foram muitas as filas que se desenharam na Rua Capelo, a perpendicular da Serpa Pinto que dá entrada à mostra.
Para Almada Negreiros, a exposição de Souza-Cardoso em 1916 foi «mais importante do que a descoberta do caminho marítimo para a Índia.
Com curadoria de Marta Soares e Raquel Henriques da Silva, esta exposição relâmpago recria a determinação e a ousadia que Souza-Cardoso trazia dos meios de vanguarda pelos quais andou antes e de forma completamente pioneira e à frente do seu tempo. Regressado a Portugal no início da Primeira Grande Guerra, era já um pintor consagrado e com exposições coletivas realizadas em Paris, Berlim, Nova Iorque, Chicago, Boston e Londres.
Foi esse background que trouxe para dentro de portas e com o qual impregnou as exposições individuais que liderou, em 1916, no Porto (no Jardim Passos Manuel) e em Lisboa (na Liga Naval Portuguesa), as únicas que fez em vida. Nesta exposição do Museu do Chiado é evocada esta última de 1916 e há dias, no Porto, foi evocada aquela no Museu Nacional de Soares dos Reis. Embora encerrada numa enorme polémica e crítica, a verdade é que a exposição de Lisboa corporizou o encontro entre Souza-Cardoso e Almada Negreiros, este último um acérrimo defensor daquele. Tão defensor que, nas suas palavras, a exposição do artista na Liga Naval Portuguesa foi «mais importante do que a descoberta do caminho marítimo para a Índia». Este eco permaneceu até hoje…
Verificou-se uma autêntica corrida à exposição, na qual estão materializados os espaços onde Souza-Cardoso expôs, o papel do artista na qualidade de auto comissário, as repercussões na imprensa, as principais discussões que à época apoquentaram a pintura de vanguarda. Nomeadamente, as reações que surgiram entre os restantes membros do grupo de Orpheu, tão mergulhados e igualmente responsáveis pelo arranque da cultura moderna em Portugal.
São cerca de 80 obras, entre pinturas, aguarelas e desenhos, documentos, livros, cartas, índices de obras e o álbum 12 Reproductions, publicado tempos antes da exposição de 1916 e que se posiciona como uma importante fonte de divulgação da obra de Souza-Cardoso.
E se o caminho marítimo para a Índia é um feito menor do que significou para Portugal esta exposição em 1916, será impossível não ganhar outro olhar sobre a cultura moderna depois de, mesmo cem anos depois, aterrarmos nas principais obras do grande artista de Orpheu. Aquele que morreu tão cedo, mas cheio de mundo.
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