Coleciona perto de 70 países já visitados em viagens de lazer e que a definem como uma pessoa mais humana, a cada nova fronteira cruzada. No tempo da pandemia, fundou o projeto online The Travel in Pink, seguido por milhares de pessoas e através do qual regista o que os seus olhos viram e guardaram e que tem vindo a permitir coligir uma legião de admiradores inspirados em realizar as viagens de sonho. É modelar em programas e mesas redondas sobre viagens, porque estará, se estudos houvesse di-lo-iam assim, entre os maiores viajantes em Portugal. Quando inicia cada viagem, segue com a perceção de que o que está em causa, independentemente do destino, tem muito mais a ver com a mudança interior e com os novos olhos ganhos para ver um mundo em permanente mudança. Está entre o grupo de amigas irreversíveis que fiz no tempo da faculdade, sobre o qual passaram muitos anos, os necessários para termos perdido a memória sobre as tantas conversas em que planeámos viagens sem conta, inclusive esta em que conversamos sobre o verbo ir. É a Ana Caldeira. Com quem viajo.  


Vamos aos primeiros impulsionadores disto tudo… Que influência tiveram os teus pais na tua trajetória de viagens? Ou melhor: que viagens inaugurais fizeste com eles que tenham marcado a viajante em que te tornaste?

Cresci a viajar e as viagens fizeram sempre parte de quem eu sou. Lembro-me de ser criança e percorrer Portugal de norte a sul com os meus pais, que me queriam mostrar a diversidade do nosso país e tudo aquilo que tem para oferecer. Com apenas 11 anos, ofereceram-me a melhor prenda que poderia ter tido nessa fase da minha vida, uma viagem a Paris, que se tornou no passaporte para a minha grande paixão, viajar. Creio que foi nessa viagem que descobri que era genuinamente feliz a viajar.

Enquanto viajantes, devemos ter a preocupação de viajar de uma forma consciente e responsável, respeitando os ecossistemas, as comunidades locais e contribuindo para a sua sustentabilidade.

Coliges, atualmente, perto de 70 países visitados, em 4 continentes. Que impacto tem essa experiência “curricular” na forma como olhas hoje para o mundo? 

Essa experiência alterou, significativamente, a forma como olho para o mundo. Conhecer lugares, culturas e pessoas tão diversas ensinou-me que, apesar das nossas diferenças, há semelhanças e uma humanidade partilhada entre todos nós. Ao mesmo tempo, acentuou a importância de preservarmos o nosso planeta e a consciência da responsabilidade de cada um de nós para uma causa que é de todos. Também enquanto viajantes, devemos ter a preocupação de viajar de uma forma consciente e responsável, respeitando os ecossistemas, as comunidades locais e contribuindo para a sua sustentabilidade. Cada escolha que fazemos, por mais pequena que seja, pode fazer a diferença.

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Ter estado em quase 70 países transformou-te em que (nova) pessoa? 

Transformou-me numa pessoa mais flexível, tolerante e humilde, por perceber quão vasto e diverso é o nosso planeta. A cada nova experiência, sinto-me mais conectada com o mundo e com uma maior empatia e compreensão pelas diferenças inerentes a cada lugar e a cada cultura. Ao mesmo tempo, ensinou-me a ser mais resiliente e a adaptar-me rapidamente a novas situações. Mas também me tornou mais inquieta e impaciente, creio que de uma forma positiva. Uma inquietação constante de continuar a viajar e encarar o desconhecido que nos transforma a cada nova jornada, expandindo horizontes para infinitas possibilidades.

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Há uma hierarquia possível para tantos países já conhecidos?  

Uma das questões que mais me colocam, e também uma das mais difíceis de responder, é qual o destino que mais gostei de conhecer. Considero que os vários destinos que visitei não são comparáveis e todos eles têm algo distinto para oferecer. Muitas vezes, o facto de gostarmos ou não de um lugar depende apenas das expectativas que temos, das experiências que vivenciamos e da fase da vida em que estamos. Posso afirmar com sinceridade que gostei de cada viagem que fiz, por ser única e me ter permitido coletar experiências tão diferentes! No entanto, é verdade que algumas delas me impactaram de uma forma especial. Tenho um fascínio por África e alguns dos destinos que mais me marcaram situam-se nesse continente. Uma das minhas viagens favoritas foi à Namíbia, que me encantou pelas paisagens espetaculares e tão diversas, da vastidão do deserto do Namibe à região de savana ou às dunas gigantes de Swakopmund, que se espraiam até ao Oceano Atlântico. Outra viagem marcante foi, mais recentemente, ao Zimbábue para visitar as Cataratas Vitória, uma das Sete Maravilhas Naturais do Mundo. Sou também apaixonada pela região do Círculo Polar Ártico. Sempre que posso rumo até latitudes polares para tentar ver as auroras boreais, um dos fenómenos naturais mais espetaculares do mundo. Algumas das minhas recordações preferidas de viagem passam por estar à noite num fiorde norueguês ou numa floresta perdida da Lapónia repleta de neve fresca, com temperaturas negativas, a aguardar que as luzes do Norte iluminem os céus. Uma experiência absolutamente incrível!

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Qual a bucket list depois deste milestone

A minha bucket list é extensa, tem o tamanho do mundo, e há ainda tantos lugares por conhecer! Fazer outro safari em África, em países como a Tanzânia, o Quénia ou o Botswana, está no topo da minha lista. Assim como fazer uma roadtrip em Oman. Gostaria também de explorar a América do Sul, uma região que ainda não tive a oportunidade de conhecer, com exceção do Brasil. E continuo a sentir o apelo da Ásia! Vietname, Cambodja, Japão e Coreia do Sul são também destinos que quero muito descobrir.

Descobri também que não pertencemos a um só lugar, pertencemos aos vários sítios onde somos felizes e que passam a fazer parte de quem somos.

Como é que uma “profissional das viagens” prepara a sua viagem?

As minhas viagens começam muito antes de viajar, no preciso momento em que me apaixono por um destino e sinto que, um dia, o irei conhecer. A fase de preparação e de planeamento é fundamental para pesquisar ao máximo sobre o destino, definindo o itinerário, transportes, acomodação, atividades. Todos os detalhes são importantes para um roteiro base adaptado ao objetivo da viagem, preferências pessoais, tempo e orçamento disponíveis. Ao mesmo tempo, é importante dar margem à flexibilidade e ao inesperado. Por vezes, os melhores momentos são aqueles que não planeámos.

Acumulas com o gosto pelas viagens uma paixão por ler e escrever. Como defines os livros que te acompanham na bagagem?

Além das viagens, desde criança tenho uma grande paixão pela leitura e pela escrita. Quando escolho os livros que me acompanham na bagagem, opto frequentemente por literatura de viagens, muitas vezes associada aos locais que visito.

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Eduardo Lourenço referiu que «o mundo real começa quando saímos de nossa casa para encontrar os outros». Que perceção de Portugal reconstróis sempre que te ausentas em viagem?

O facto de ter conhecido muitos sítios diferentes e ter mesmo vivido algum tempo fora, em Espanha e na Suíça, permitiu-me reconstruir a minha perceção de Portugal. Adoro descobrir o mundo e sinto-me verdadeiramente realizada nas minhas viagens. No entanto, ao mesmo tempo, cada regresso é também um reencontro feliz. Regressar a casa, à minha família e amigos, ao meu país. Portugal é um país incrível com uma diversidade e beleza de paisagens, uma generosidade das pessoas, uma riqueza histórica e cultural verdadeiramente únicas. Viajar fez-me valorizar ainda mais as minhas raízes. Mas descobri também que não pertencemos a um só lugar, pertencemos aos vários sítios onde somos felizes e que passam a fazer parte de quem somos.

O meu blog [The Travel in Pink] nasceu com o propósito de inspirar os meus leitores a acreditarem que o mundo pode estar ao alcance de todos e da dimensão dos nossos sonhos.

Em plena pandemia, lançaste o projeto digital The Travel in Pink, hoje com milhares seguidores. Qual o propósito e a visão estratégia desta decisão? 

Comecei o projeto The Travel in Pink há cerca de 8 anos com uma conta de viagens no Instagram e, desde essa altura, tinha pendente o projeto de complementá-la com um blog. Sempre gostei muito de escrever e a ideia de partilhar as minhas experiências de viagem e de poder inspirar alguém a abraçar o sonho de conhecer o mundo sempre fez muito sentido. A falta de tempo e muitos outros projetos que foram, entretanto, surgindo foram adiando essa vontade. Mas esteve sempre presente, ligeiramente adormecida. Em plena pandemia, quando as portas do mundo nos estavam temporariamente fechadas, senti mais do que nunca a necessidade de escrever e de viajar através das palavras. Tomei, por isso, a decisão de lançar finalmente o  blog The Travel in Pink, para manter viva a chama da aventura, acreditando que, um dia, todos voltaríamos a explorar o mundo e as nossas jornadas seriam ainda mais especiais, pautadas pela gratidão e pela redescoberta.

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Com a amplificação que este projeto teve e as crescentes solicitações que tens vindo a ter para testemunhar as tuas viagens, podemos falar de impacto. Porque recolhes já vários testemunhos de seguidores que levaste a perseguirem os seus sonhos de viagens… Queres dar um ou outro exemplos?

O meu blog nasceu com o propósito de inspirar os meus leitores a acreditarem que o mundo pode estar ao alcance de todos e da dimensão dos nossos sonhos. Através das minhas experiências, tento mostrar que cada destino traz uma oportunidade única de crescimento e de (auto)conhecimento. Guiada por esse propósito, no meu blog partilho informações úteis para ajudar os leitores a planearem as suas próximas aventuras. Desde roteiros detalhados até dicas para variados destinos em diversas partes do globo, o blog pretende tornar o processo de realizar essas viagens mais acessível, algo que todos podemos realizar com determinação, preparação e paixão por abraçar o desconhecido. O maior impacto e reconhecimento que posso ter é saber que consegui ajudar alguém a concretizar o sonho de viajar para um destino muito ansiado e que a informação que partilhei foi importante para transformar esse sonho em realidade. É um sentimento extremamente gratificante.

Percebi que o tempo é sentido de maneiras muito diferentes. Em alguns lugares ele parece correr, noutros é vivido de forma mais pausada e consciente.

Ana, que viagem é para ti ainda só um sonho?

À Antártida! A ideia de explorar um continente tão remoto com algumas das paisagens mais extraordinárias e intocadas do planeta, assim como uma incrível diversidade de vida selvagem adaptada a um ambiente tão extremo, é fascinante.

Para quem já viajou tanto, e recorrendo à “consciência do tempo” a que se referiu Carlos Drummod de Andrade, o que muda na relação com o tempo quando se esteve em tantos lugares distintos? 

Viajar por tantos lugares distintos transformou-me enquanto pessoa e, consequentemente, a minha relação com o tempo também mudou. Percebi que o tempo é sentido de maneiras muito diferentes. Em alguns lugares ele parece correr, noutros é vivido de forma mais pausada e consciente. Passei a encarar o tempo como algo mais flexível e relativo e creio que essa perceção me fez aprender a valorizar o momento presente e a tentar desacelerar, algo tão desafiante nos dias de hoje em que vivemos frequentemente ao ritmo do imediato. Entendi que a pressa não nos permite muitas vezes absorver, verdadeiramente, as experiências e que estas devem ser vividas com qualidade, com relevância e com tempo!

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