Em 1917, ano que ficou votado a um dos acontecimentos internacionais mais incontornáveis, a revolução russa, que decorria em plena Primeira Grande Guerra, nascia em Portugal o Mestre Vítor Luiz dos Santos, com mãos de artista, hábeis para o detalhe e o manuseamento do livro. Em 1950, com a Segunda Grande Guerra já ultrapassada, nascia numa segunda geração Fernando Pinheiro dos Santos, no mesmo Portugal e com a mesma sorte, provavelmente, entranhada no sangue. Em 1977, num Portugal já em início de democracia, nascia na terceira geração da mesma família Andreia Tibério dos Santos, que seguiu o ofício. Pai e filha seguiram as passadas do avô, considerado um dos melhores encadernadores e douradores portugueses, cujas pegadas levaram à criação de um lugar mágico, a fazer querer que de repente entramos no outro lado do espelho.

De geração em geração, foi evoluindo um trabalho rigoroso de restauro dos livros antigos e aos livros contemporâneos é dada uma cara nova, personalizada, única, sem cópia possível. Falamos de uma oficina do livro, um lugar inteiramente dedicado ao cuidado com o livro, esse objeto, afinal, artístico. É em arte que se converte o livro, uma vez na Arte do Livro.

Quando se passa a porta de entrada, concorrem com o toque dos livros o cheiro das peles, dos pincéis, do papel, da cola, do ferro, da madeira e os demais materiais que interpelam o olhar contemplativo da curiosidade. Os lugares mais rotineiros dos livros com que habitualmente nos deparamos são as livrarias. Quando muito, até as bibliotecas. Não a oficina, o espaço para a preservação do livro antigo ou a personalização do livro dos nossos dias.

Nesse espaço oficinal, entramos magicamente no imaginário do próprio processo criativo, como se nos remetessem para o início de tudo: a primeira ideia de quem escreve, a escrita da primeira frase, o argumento na cabeça, o turbilhão da inspiração ida e vinda, a turbulência do texto revisto, que é e não é, que fica e que vai, a edição, as máquinas de impressão. A publicação. Que um dia precisa de restauro. Ou de um toque artístico, inédito. E eis que surge o conhecimento deixado pelo primeiro mestre, perpetuado pelos descendentes, apaixonados pelo livro, numa resiliência consciente neste tempo digital e rápido, que parece compaginar-se cada vez menos com o ritmo da leitura. Mas que tanto ganha com ele.


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