Queria escrever este texto amanhã. Não necessariamente no dia a seguir a hoje, mas num amanhã em que já pudesse ter digerido melhor a peça que acabo de ver no Teatro Aberto: Constelações. Mas venho com a energia das circunstâncias de assistir à peça e, logo de seguida, ao debate restrito entre atores, encenador, coreógrafo, produtor e aquele público específico em que eu estava incluída. Ir ao teatro é já por si um privilégio. Que se eleva a um máximo expoente quando depois temos acesso à equipa que interpretou o texto e o levou a palco, nas diferentes vertentes.
Do premiado dramaturgo Nick Payne (nascido em Londres, em 1984), Constelações retrata uma dupla temática intemporal – o amor e a morte – como dois fios que aparecem intermitentemente. A encarná-los surgem na base e em permanência dois atores extraordinários, Pedro Laginha e Joana Brandão, que na peça ganham os nomes Rodrigo e Mariana.
Ele, um apicultor. Ela, uma física. Na essência, são sempre o apicultor e a física que lá estão, mas em sucessivos trechos ou fragmentos, com combinações de palavras repetitivas, tão repetitivas que parecem exatamente iguais. Mas não são. De repente, quando a repetição se repete, sobressaem aqueles novos termos, aquelas novas expressões a introduzir uma intensidade diferente, um tom diverso, um significado novo para a repetição aparente. E eis senão quando as novas palavras atribuem uma dimensão diferente ao rumo dos personagens e determinam uma inesperada evolução para os acontecimentos. Através de uma forma de escrita absolutamente invulgar, com microtextos, lá está, repetitivos, são ilustrados universos paralelos ancorados na teoria do multiverso.
A peça Constelações rompe com todas as convenções dramáticas: o tempo, o espaço, a ação, a história. Nick Payne, contudo, não abdicou da construção das personagens e, por isso, em qualquer uma das cenas a personagem surge com a mesma força. Esta é de resto a medida do autor para materializar as várias variantes do ser humano, afinal tão camaleónico e habilidoso na adaptação a tudo o que venha. E tudo o que pode vir depende em muito das suas escolhas. As escolhas que na peça são vistas como os fatores decisivos da vida.
Esta abordagem é acentuada pela visão criativa da encenação, a cargo do prestigiado João Lourenço, e que tem ainda mais mérito quando sabemos que o texto original não dá qualquer indicação ou métrica sobre o ambiente em que os atores devem mover-se. Foi então aqui assumida uma síntese e uma pureza de linhas, com um trabalho magnífico audiovisual e de incidência de luzes a marcar os equilíbrios dados em tempos diferentes às abelhas e à física quântica. A física quântica cujas referências debitadas em palco o astrofísico português Vítor Cardoso, já sentado na plateia, ratificou.
João Lourenço, que nos fez o favor de trazer para Portugal esta belíssima peça presente nos palcos mais conceituados do teatro internacional, clarificou no debate final que aos atores pediu a maior exigência e dificuldade, com uma única intenção: que trouxessem para a sua interpretação a coisa mais simples e porventura a mais difícil do teatro, a verdade. E conseguiram. Foram olímpicos.
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