A histórica visita do Papa Francisco a Fátima, por ocasião do centenário das aparições, mexe com meio mundo em Portugal, crentes e não crentes, pessoas de todas as idades e culturas e, também, com vários setores da sociedade portuguesa. Talvez um pouco curiosa por conhecer melhor essa figura maior que a tantos atrai a admiração, ou até levada pela mesma curiosidade que há uns bons anos me levou a ler Porque Viajas Tanto? (2003), de Aura Miguel, fixei-me há uns dias no livro da mesma autora, acabado de sair: Conversas em Altos Voos – Encontros e entrevista com o Papa Francisco.
Neste livro, Aura Miguel dá-nos aquilo a que podíamos chamar dois takes: no primeiro relata-nos detalhes e peripécias ocorridas em pleno voo com o Papa Francisco e as comitivas de jornalistas que o têm vindo a acompanhar em todas as usas viagens; no segundo dá-nos a conhecer a entrevista de uma hora que fez ao Papa Francisco, na Casa Santa Marta, no Vaticano («mandada construir por João Paulo II a pensar nos Conclaves» e onde hoje vive o Papa Francisco), no dia 8 de setembro de 2015.
Aura Miguel conheceu o Papa Francisco no verão de 2013, na «primeira viagem papal fora de Itália, com destino ao Brasil». Rumavam ao Rio de Janeiro, para a Jornada Mundial da Juventude. Dava-se, para a nossa jornalista vaticanista, «a 76.ª viagem com o Sucessor de Pedro». Na parte de trás do avião, onde seguiam os jornalistas, encontravam-se «representados, e de forma qualificada, todos os mass media».
Os mais de 70 jornalistas a bordo arregalaram olhos e ouvidos, quando o Papa, sem mácula, lhes disse: «não são santos da minha vocação» e «aqui estou no meio dos leões». Contudo, na primeira abordagem mais direta a Aura Miguel, na qual a jornalista tentou obter a célebre entrevista, o Papa Francisco disse: «Esta não é leão!». E dali a marcação e o planeamento da entrevista passariam para o contacto intermediado e filtrado pelos assessores do Santo Padre… que não chegaram a dar resposta firme. Foi em junho de 2015, pois, já numa outra viagem ao lado do Papa Francisco, que Aura Miguel voltou ao tema da entrevista, inesperada e surpreendentemente pela interpelação que o próprio Papa Francisco lhe fez a si diretamente: «Oh, desculpe! Estou em falta para consigo: devo-lhe uma entrevista!». Extraordinário… Aura Miguel ficou boquiaberta.
No dia 8 de setembro de 2015, «trinta anos de experiência papal» não lhe retiraram porém a ansiedade de estar ao lado, durante uma hora exclusiva, do «primeiro Papa jesuíta e latino-americano da Igreja». Numa das questões mais emblemáticas de Aura Miguel sobre os grandes desafios que a Igreja hoje enfrenta, o Papa Francisco recordou que a «catequese é doutrina para a vida e, portanto, tem de incluir três linguagens, três idiomas: o idioma da cabeça, o idioma do coração e o idioma das mãos». A catequese não avançará, porventura, se não andar sobre este tripé.
A jornalista foi longe e debruçou-se sobre questões mais filosóficas, se quisermos, procurando ao Papa Francisco o lugar da preocupação do Homem pelo seu destino. O Santo Padre alegou, terminantemente, que «falta a capacidade de acolhimento da Humanidade», prevalecendo uma «cultura do bem-estar», a crise da família, «uma crise laboral», «corrupção a todos os níveis» e com isso a revelação de «um baixo nível moral». Mas o Papa Francisco compôs o discurso e deixou uma mensagem de esperança sempre bem-vinda: «Uma vida sem problemas é aborrecida. É um tédio. O Homem tem, dentro de si, a necessidade de enfrentar e de resolver conflitos e problemas.» Possivelmente, será esse um dos nossos desígnios.
E, neste seguimento, Aura Miguel perguntou ao Papa Francisco se arriscar é importante e nesse ponto ganhou, a meu ver, a melhor resposta que este livro nos dá: «Correr o risco, propor sempre metas! Para educar, faz falta usar os pés. Para educar bem, há que ter um pé bem apoiado no chão e o outro pé levantado mais à frente (…) isso é educar: apoiar-se sobre algo seguro, mas tentar dar um passo em frente até que o tenha firme e, depois, dar outro». É, em resumidas palavras, aquilo a que o Papa Francisco chama de «educação dos riscos razoáveis».
Que linda analogia. A entrevista podia ser apenas “isto”.
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