A mochila que levava às costas no meu primeiro dia de escola, tinha eu na altura quatro anos e muitos meses, carregava a minha enorme vontade de começar a aprender a ler. Corria o tempo da infância, agora devolvida em expressões da memória decalcada na vida dos meus filhos.
O mais velho junta já as palavras lidas. Serviu-nos, é certo, o confinamento para aguçar uma aptidão visível para ler tudo o que surge. Aprendeu a ler. Já lê. E até tem um livro com marcador e tudo. Mãe, porque é que o m na palavra Nestum não tem o mesmo som que o m na palavra manhã? Bem visto, filho. A língua portuguesa é muito rica, tem muitas combinações. E introduzi-lhe o dia 5 de maio, celebrado pela primeira vez em 2020 como o Dia Mundial da Língua Portuguesa.
E é neste contexto, no da língua portuguesa, e no momento em que um filho aprende a ler e a usar a própria língua, que viajo para um espaço cimeiro desta língua que é nossa: o Museu da Língua Portuguesa, que paralisou em 2015, com o incêndio, e que visitei em 2010, quando estive pela primeira vez em São Paulo. Ali, com todos os países de língua portuguesa e todas as comunidades expressas em português representados, assistimos a uma visão para a língua portuguesa, com ênfase na sua antiguidade e universalidade, mas também na identidade e nos seus valores e valências únicos. Ali vivi o assombro. Na referência aos grandes nomes que transportaram a língua e a personalizaram e na referência à língua no quotidiano. Porque ela é pele. É extensão do que pensamos, do que comunicamos, do que somos. Uma galeria colossal, com mais de 100 metros, exibia a língua e a forma como o alfabeto é a principal revolução tecnológica de sempre, na linha do canadiano Marshall McLuhan.
Pergunta: terá esta pandemia trazido uma nova consciência para inibir a velocidade em que andávamos e proporcionar as condições da lentidão? Sim, a lentidão de que Milan Kundera nos escreveu. Teremos entrado numa rotina de paragem? Será esta uma nova era, com lugar ao tempo demorado da palavra (não a palavra banal)? Um (re)começo para um novo uso da língua que nos define e expõe?
Quando temos um filho a aprender a ler e a escrever, voltamos à importância primordial da língua. Tão curioso que aprendas a ler neste tempo, querido. Porquê curioso, mãe? Um dia, conto-te.
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