Nunca no apogeu da minha juventude pensei em visitar um dos mais jovens países do mundo: Timor-Leste. No agosto quente de 1999, Portugal transpirava os anseios de um povo que em cerca de 80% optaria livremente pela independência.
Em Lisboa, a minha cidade, organizavam-se cordões humanos nas ruas e praças mais emblemáticas, ecoavam na opinião pública as posições mais acérrimas, preponderavam nos meios de comunicação as vozes mais consensuais, desfilavam de janela em janela panos brancos recortados entre mensagens de apelo e esperança, sobressaindo uma união entre as pessoas apenas comparável às manifestações massivas que só o futebol espontaneamente desencadeia. Num abrir e fechar de olhos, todos se reviram na capacidade de resistência dos timorenses e, sobretudo, na sua vontade incontornável de desenhar o próprio destino: ver Timor-Leste renascer enquanto nação independente. Aquela à qual eu iria nove anos depois da independência, sem nunca em tal ter pensado.
Foi com essa vontade de desenhar o próprio destino que me propus prontamente visitar Timor-Leste, logo que recebi a notícia de que uma das minhas melhores amigas se mudaria para lá. E assim fiz, corria o mês de junho de 2011…
Para trás tinha deixado a extraordinária ilha de Bali, os seus sorrisos rasgados e a serenidade contagiante do hinduismo que por lá se pratica. No avião de uma companhia aérea indonésia, que em cima da hora e por razões desconhecidas ameaçou deixar-me em terra, parti com destino a Díli. Com um olhar curioso e uma boa dose de simpatia, tentei a sorte de ir ao cockpit, na expectativa de que uma companhia com aquela dimensão não levasse tão a peito as questões de segurança que impedem, por norma, as “investidas” aos cockpits da maior parte dos aviões que sobrevoam o mundo. Um dos hospedeiros, desdobrando-se em generosidade, depressa se prestou a levar-me lá, onde fui recebida com a máxima atenção por parte do piloto e do copiloto, que conheciam de cor cada uma das ilhas indonésias que dali se avistavam. Rapidamente se juntaram ao cockpit os restantes membros da tripulação, embevecidos com a curiosidade da turista do ocidente, bem como com os seus traços, nas suas palavras, exóticos, que fizeram questão de registar com a objetiva da minha câmara.
A mesma objetiva que focou o primeiro raio de luz da cidade que, logo à chegada, me pareceu familiar. Que estranha sensação de familiaridade. Rapidamente percebi que a luz de Díli é idêntica à de Lisboa e à do Rio de Janeiro, as cidades que considero mais luminosas (pelo menos, entre as que conheço). Nas chegadas, no aeroporto, muitos foram os abraços que quebraram o aperto da distância e acentuaram o alívio do reencontro. Tantos os afetos trocados. As palavras intervaladas entre o desconforto da lágrima no canto do olhar e o olhar comprometido com a vontade de voltar à terra à qual se pertence. Foi isto que senti nas pessoas que pude observar nas chegadas, no aeroporto de Díli. Um novelo apetecível entre os que acabam de chegar e os que os esperam na chegada. Já eu parecia uma criança que pisa, pela primeira vez, o solo do jardim de infância para o qual vai de livre vontade, compactuando com uma feliz sensação de liberdade…
De jipe, o primeiro passeio em Díli serviu para reconhecer alguns dos edifícios mais nobres da cidade, caso das embaixadas, dos ministérios e das organizações não-governamentais. Entre esses, sobressaíam alguns dos condomínios onde quem tem acesso a uma maior qualidade de vida tem o privilégio de residir. Na voz integrada dos residentes, os condomínios soavam compounds. Para a primeira noite em Timor-Leste, porém, o destino tinha já traçado um lugar diferente para dormir.
Uma lancha aguardava-me no porto, junto à Casa Europa. Inserida num grupo de timorenses e portugueses (mais timorenses e menos portugueses), rumei até à ilha de Ataúro. Cada solavanco provocado pela lancha deixava a porção de terra que delimitava Díli cada vez mais minúscula, circunscrita ao caloroso abraço da estátua de Cristo que, mesmo no último dia em Timor-Leste, tomando o pequeno-almoço no Memorial de Dare, tanto me pareceu a do Rio de Janeiro…
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