Gabriel Grades é nome para memorizar. Apreender. O nome do vencedor do concurso A melhor Carta – 2019, cujos prémios foram recentemente atribuídos pela Fundação Portuguesa das Comunicações (FPC), no contexto do Dia Mundial dos Correios, numa cerimónia que deixou com assombro toda a plateia.
Gabriel Grades fez tudo corretamente: respondeu ao desafio específico do concurso, escrever sobre os heróis preferidos; escreveu corretamente do ponto de vista ortográfico. E podia ter sido “só” isso. E, sendo “só” isso, talvez não tivesse chegado ao primeiro lugar. A vitória chegou pela irreverência de sair dos heróis do imaginário. Do universo narrativo habitual. Gabriel Grades fez tudo correta… e autenticamente: foi criativo e, sobretudo, corajoso; foi (e é) o próprio herói. As suas limitações enquanto portador de dislexia afiguram-se, apesar disso ou por isso mesmo, como a razão fundamental para ser, ele próprio, o seu herói. O que o poderia diminuir constitui o alicerce que o torna mais portentoso. O que o limita, aumenta-o. O que o parece suster, dá-lhe o balanço necessário para ir mais longe. E ser o vencedor do concurso. E ser um exemplo.
Dinamizado pela FPC e pelos CTT Correios de Portugal, o concurso desafiou crianças e jovens entre os 9 e os 15 anos à redação de uma carta com o apelo “Escreve uma carta sobre um dos teus heróis”. Fica para leitura integral a carta de Gabriel Grades, um dos MEUS heróis.
Teresa Salema, Presidente da Fundação Portuguesa das Comunicações, com Gabriel Grades
“Minha folha de papel, sem dia, sem mês, sem ano.
Queridos leitores,
Chegou o momento de, nesta folha de papel, falar sobre o meu sentimento… Um sentimento, que se envolve no pensamento, acerca de heróis, acerca do que é ser um herói que vence, que luta e que ganha (nem sempre)!
Podia escolher um super-herói qualquer, desses que dão na televisão, que provocam tanta emoção! Mas esses, apesar de causarem tanta sensação, são só ficção; não passam de imaginação!
O meu herói é real!
O meu herói é de verdade e vive aqui, bem nesta localidade!
O meu herói é de carne e osso; é um rapazote de tenra idade!
O meu herói não bate, não briga… mas luta! E que lutas ele trava!
Cada luta é fenomenal!
Cada batalha é exigente! A mãe diz que é de pessoa inteligente!
O meu herói tem dislexia!
Há quem pense que falar lhe provoca asfixia! Há quem não compreenda… como a sua luta é tremenda!
Luta com as letras a cada dia… Combate dificuldades nas palavras lidas, escritas ou faladas, desde sempre, desde que se lembra!
Combate e vence! Às vezes, são grandes vitórias, às vezes pequenas! Às vezes, falha… não consegue! Mas, herói não desiste!
Herói persiste (às vezes sofre!) e, luta mais uma vez e mais outras! E, vai vencendo e os seus receios vão desaparecendo e a magia vai acontecendo!
Não são feitos sensacionais, mas causam verdadeira sensação, pois não são de imaginação, são feitos com “alma e coração”!
São feitos de verdade e sinto que este herói não encontra nesses feitos só a sua felicidade! A família e os professores têm com ele grande cumplicidade!
Para este herói… o Herói da Dislexia, palavras são vitória! Frases são glória!
Quem é este herói?! Este herói, sou eu!
Sim, tenho dificuldades! Falar, às vezes, é complicado; há momentos em que me sinto desanimado!
Transmitir o meu pensamento nem sempre é tarefa fácil! Mas faço um esforço e, sou vencedor, a cada momento!
O meu super-herói?! Sou eu!
Se tenho super-poderes?! Sei que sim! O pai e a mãe ajudaram-me a acreditar em mim!
A minha vitória? As palavras!
O meu super-poder? A vontade.
Por isso, a todos os meninos como eu, deixo esta mensagem; a mensagem de um herói de verdade, que aprendeu a não desistir e a enfrentar cada dificuldade…
Os super-heróis não revelam os seus segredos, têm os seus mistérios. Mas eu, super-herói da realidade, achei esta oportunidade para ajudar meninos como eu… Dizer-lhes que com vontade, com muita vontade, nós conseguimos, nós ganhamos esta batalha.
Vamos, pouco a pouco, encontrando a felicidade das palavras!
Este foi um desses momentos, esta foi uma das minhas grandes glórias. Consegui! Fiz! Posso ter perguntado ao pai, à mãe ou até à professora se esta ou aquela palavra se escrevia com “t” ou com “d”, com “g” ou com “c”, mas consegui!
Esta carta é minha e fui eu quem a fez!
Isto são vitórias que só outros “heróis da dislexia” entendem! Esta é a nossa alegria!
Um abraço a todos, especialmente, aos meninos que têm “poderes especiais” como eu!
Herói da Dislexia
P.S.
Com dislexia, sou diferente, sou mais persistente!
Com dislexia, não sou “normal”! Sou especial! Super-especial!”
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