«Desejo através dos meus quadros ter consciência de quem sou, questionar a minha existência, afirmar a minha identidade construída através de sinais, símbolos, imagens, memórias de uma realidade que me liga ao universo.» Esta é uma das frases, na primeira pessoa, que vemos em destaque na exposição da portuguesa (e, por isso, um bocadinho nossa) Graça Morais, Ressonâncias: da voz e dos ecos, no ar na Fundação Champalimaud até 25 de abril.
Com curadoria de Paulo Teixeira Pinto, a exposição com entrada gratuita leva-nos a um imaginário da periferia, já que o olhar de partida, a existência de partida, a experiência visual e existencial de partida são transmontanos. Mas também se vê urbanidade nesta sua mostra, embora no arranque da sua criação esteja de facto Vieiro, em Trás-os-Montes. Há, aliás, uma globalidade, uma visão acima e distanciada dessa periferia.
São emprestadas a esta exposição obras do próprio acervo da pintora, que vemos assim que entramos, algumas acabadas de criar, quase acabadas de pintar (a da entrada, que imediatamente enche o olho pela dimensão e cor, é de 27 de janeiro de 2017). Olhamos para elas e, embora Graça Morais nos previna em entrevistas que tenho lido que nestes quadros mais recentes é a atualidade que vemos, como Trump ou a agressão a Ruben Cavaco pelos filhos do ex-embaixador do Iraque em Portugal, aos meus olhos pareceram-me intemporais. Talvez as achasse atuais se as tivesse visto, se tal me tivesse sido permitido, há 100 anos.
Avançamos e, entre as cerca de 100 obras expostas, encontramos numa espécie de segundo take outras tantas pinturas, pertencentes à coleção privada de José Pedro Paço d’Arcos, seu principal colecionador. Nesta zona da exposição, onde se exibem pinturas mais antigas, encontramos uma Graça Morais mais cinzenta, evidenciando que no seu percurso houve uma evolução em direção à maravilha da cor e da luz, um ganho de maturidade artística brutal.
Mas os traços principais caracterizadores da pintora são comuns às duas partes da exposição: as linhas grossas, as máscaras, as expressões dos rostos bem vincadas, a meio caminho entre o telúrico e a fábula. Mas nessa evolução que a cronologia torna óbvia, surge uma Graça Morais sempre maior, à procura de uma identidade firme, à descoberta dos símbolos que a ligam, afinal, ao universo, como de resto qualquer disciplina da arte, no limite, permitirá.
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