Irina Alves
Falar a uma distância intercontinental com Irina Alves, a nova Diretora da publicação angolana Chocolate, é um cartão de embarque nas referências que nos levam à Luanda atual. Ainda muito recente, em Angola, está o 23 de agosto que levou mais de 9 milhões de cidadãos a votar, num país com maior maturidade, maior consciência cívica e imenso espaço para a cultura e de onde provêm vozes que se internacionalizaram e contribuíram para ajudar o mundo a melhor conhecer a identidade angolana. Lembramo-nos num ápice de Ondjaki, Pepetela ou Agualusa, que em Lisboa nos permitem manter aceso o referencial de África. O mesmo que serviu de inspiração a Irina Alves ao longo dos muitos anos em que viveu na capital portuguesa. Nascida em Luanda, em 1981, tinha 1 ano quando rumou à Lisboa que a viu passar de menina a moça. Formou-se em Comunicação Social na Universidade Católica Portuguesa e cedo integrou certames na área da dança e na indústria da moda, tendo em 2000 sido finalista da Miss Mundo Portugal. A beleza rara e inequívoca, que o rasgo africano reforça, selecionou-a para campanhas publicitárias e promoções de marcas. Numa estadia de 3 anos na Global Models, foi responsável pelos departamentos de moda, publicidade e eventos. Passou também pela assessoria de imprensa. Em 2011, chegou um convite para exercer jornalismo de moda em Luanda, que aceitou como um desígnio para regressar ao país onde nascera. Rapidamente integrou a redação da Chocolate, que a viu evoluir como jornalista, depois editora de beleza e mais tarde coordenadora editorial. Em dezembro de 2016, chegou à direção. Mais um desafio que agarrou com a inquietação, a ambição e o perfeccionismo que a caracterizam. A ousadia para fazer transformar um produto de moda e lifestyle numa plataforma já reconhecida de divulgação e promoção da identidade e da cultura angolanas, mas também do continente africano, numa abordagem à lusofonia na qual Irina Alves se enquadra, apaixonadamente, nesta conversa de perfil.
Comecemos pela atualidade. Este último 23 de agosto veio revelar-nos uma Angola mais madura, com um potencial de eleitores (e leitores) mais preparados e críticos. É um desafio para quem dirige uma publicação, certo?
Sem dúvida! Estou muito feliz, satisfeita e orgulhosa pelo caminho que estamos a traçar. Como angolana que sou, participei, dei a minha contribuição, exercendo o meu direito e dever, votando. Acompanhei a tomada de posse do nosso novo Presidente, João Lourenço. O ato e a cerimónia foram históricos, um verdadeiro marco para uma Angola de progresso, que aposta na capacidade dos jovens, na diversificação da economia, na cultura, no turismo e na sociedade civil, com “muitas cartas para dar”. De facto, a “minha” Angola está de parabéns pela maturidade, a força indomável e a estabilidade conseguida. É evidente que, como jornalista que sou, e pelo cargo que neste momento exerço, defendo que a seriedade e o rigor da informação que passamos e passam de nós, devam ser os pilares fundamentais para se marcar a diferença e atingir a excelência, num mundo em constante movimento, sedento de novidades. Atualmente, com a ascensão e o poder do online, publicações como a revista Chocolate, que existe há quase 11 anos (revista mais antiga de Angola), para continuar a ser apetecível para o público tem de acompanhar “os ventos de mudança” e estar um passo à frente, a nível de atualidade e tendências. Só com muita pesquisa, criatividade e um pensamento avant-garde é que conseguimos permanecer líderes de mercado e ser uma referência a nível nacional e internacional.
Apesar de ter crescido em Portugal, sempre convivi com a minha cultura e identidade. As raízes nunca se perderam. Nas conversas de família, nos pratos típicos de Angola – como a muamba, o calulu de peixe ou de carne seca –, que eram sempre feitos pela minha mãe, aos domingos, em Lisboa.
Regressou a Luanda em 2011. Olhou para a cidade que a viu nascer com olhos de primeira vez? Ou as raízes que incorporou na educação, no cerne familiar, já a tinham preparado para esse regresso? Que Luanda encontrou?
Apesar de ter crescido em Portugal, sempre convivi com a minha cultura e identidade. As raízes nunca se perderam. Nas conversas de família, nos pratos típicos de Angola – como a muamba, o calulu de peixe ou de carne seca –, que eram sempre feitos pela minha mãe, aos domingos, em Lisboa. A curiosidade e a nostalgia de Angola faziam parte de mim. No entanto, o meu regresso para Luanda, na altura, foi bastante emotivo, uma vez que foi definitivamente um reencontro com a terra que me viu nascer. Estava quase a fazer 30 anos, portanto, foi uma transformação como ser humano muito positiva e benéfica para mim, com muito impacto no meu crescimento pessoal e profissional. Confesso que cresci imenso. Finalmente, descobri quem sou, o que me move e para onde vou. Graças a Luanda. Por isso a paixão será eterna.
O jornalismo de moda foi a pedrada no charco, para quem, como a Irina, tem formação académica em Comunicação Social e experiência na indústria da moda?
Foi o casamento perfeito entre os meus dois mundos. A necessidade incansável de desafiar-me a mim própria, naturalmente, tinha de culminar numa especialização. No caso, o jornalismo de moda tinha de ser a “cereja no topo do bolo”, o caminho para me transcender enquanto profissional que respira moda há 20 anos. A formação na Universidade Católica Portuguesa, em Lisboa, em Comunicação Social, deu-me as bases sólidas para dar o “pulo” e ambicionar mais formações a nível internacional, nas melhores capitais do mundo da moda. Acredito plenamente que o “céu é o limite” e adoro desafiar-me a cada dia e estabelecer objetivos e metas. Quando consigo cumprir, a satisfação é monumental. Neste meio de criatividade, lançamentos constantes e novidades, não há como não fazer reciclagens, workshops, formações com os melhores da indústria. Só com trabalho árduo, foco, automotivação e persistência é que é possível atingir o mérito e o reconhecimento. Reconheço que, profissionalmente, não podia estar mais realizada.
Num investimento contínuo na sua formação, integrou em 2013 a London College of Fashion e em 2016 o Institut Français de la Mode. Londres e Paris constituíram, neste contexto específico de formação, fatores decisivos para se afirmar em Luanda?
Inicialmente, o meu desejo de tirar o curso de Jornalismo de Moda, na London College of Fashion, em 2013, deveu-se à enorme vontade de elevar o meu contributo para o produto Chocolate e tornar-me definitivamente uma jornalista de moda. Para tal, tinha de aprender com os melhores. Sentia-me estagnada e pretendia estar no “centro do mundo da moda”, para retirar todo o conhecimento possível e aplicar na revista. Sabia que só assim conseguiria levar a Chocolate para outro patamar, a nível editorial. Relativamente ao curso de Gestão de Moda e Luxo, no Institut Français de La Mode, foi mais uma formação necessária (no ano passado), na capital da alta-costura e, no caso, o verdadeiro epicentro da moda. Um curso mais prático, mas que me deu uma visão mais ampla do mercado do luxo, como se move e como funcionam as grandes marcas. Aqui, é interessante que o conhecimento adquirido deu-me bagagem para olhar para uma marca como a revista Chocolate, como uma marca global e não local. Com este tipo de formações internacionais, acabamos por fazer os refresh necessários e ganhamos uma visão out of the box, fundamental para sermos pioneiros, dinâmicos e surpreendentes, todos os meses. Talento, visão e ousadia são também condição sine qua non para apresentarmos revistas únicas, que marquem a diferença e façam a diferença, tanto a nível nacional, como internacional.
Temas como “Mindfulness”, “Dieta Paleo”, “Esmagamento dos Seios”; biografias de mulheres que fazem a diferença em Angola, em África e no mundo; artistas angolanos que elevam a bandeira nacional e expõem nas galerias de arte mais conceituadas, entre eles, Nastio Mosquito, no MoMA, em Nova Iorque, têm que ser evidenciados numa Chocolate, que se pretende mais ativa na diversificação e promoção cultural de Angola para o mundo.
Na Chocolate, fez o percurso completo até chegar à direção. Considera-se, por isso, uma líder mais legítima, mais consciente?
Por incrível que pareça, mas é a pura verdade, somos uma equipa muito pequena, 100% nacional e que, todos os meses, faz os possíveis, e muitas vezes os impossíveis, para lançar mais uma revista Chocolate no mercado. Sou muito exigente, acima de tudo comigo, e com o resto da equipa, para nos superarmos em cada edição e trabalharmos muito para atingirmos a almejada excelência e a hipotética perfeição. Ainda escrevo muito, coordeno, edito, corrijo, ensino, tendo sempre presente o fator sensibilidade, para estimular uma equipa que tem as suas necessidades individuais. E, ao mesmo tempo, ativar uma marca perante um mercado declaradamente cada vez mais exigente. Apesar de ser sonhadora, ambiciosa e perfeccionista, tenho de perceber, por vezes, que quem me rodeia, tem outros ritmos, bem distintos dos meus, e tenho de ter atenção a todos estes pormenores. O que se torna um desafio constante como líder que tenho que trabalhar, limar e balançar para a harmonia de toda a equipa e o sucesso do produto. Procuro estimular a minha equipa com diferentes momentos de descontração, potenciando e valorizando o melhor que cada um tem, com as suas valências, qualidades e limitações. Por vezes, nem sempre é fácil, principalmente nos fechos das edições, pois há que lidar com bastante pressão e vários aspetos inerentes ao processo da conclusão da revista. Quando a edição está na gráfica a ser impressa e a capa finalmente é publicada, temos sempre uma descarga de adrenalina abismal. Primeiro, sente-se euforia, felicidade e realização, mas logo em seguida é necessário um retiro de boas horas de sono e resguardo para conseguir recuperar, até fisicamente, do fecho. Equiparo a experiência a uma corrida de maratona. O sentimento no final é semelhante. Prazeroso, pleno, enriquecedor, mas esgotante.
A Chocolate, considerada a Revista de Moda do Ano 2015 e 2016, é rampa de lançamento e até internacionalização para vários profissionais da indústria da moda angolana. Que critérios privilegiam na promoção do talento?
A Chocolate, de facto, já lançou e ainda lança inúmeros nomes, tendo servido de plataforma de lançamento para top-models angolanas, como Maria Borges, Sharam Diniz, Amilna Estevão, Blesnya Minher, entre tantas outras, que têm brilhado nas principais semanas da moda, nomeadamente em Paris, Nova Iorque, Milão e Londres (recentemente). Saber que os primeiros passos e editoriais de moda destas manequins foram feitos para a revista Chocolate é uma satisfação enorme e dá-nos motivação para continuar à procura de new faces, não só na moda, como também na cultura e em diferentes setores da sociedade angolana. O nosso “faro” já está muito apurado, depois de tantos anos de mercado e experiência, pelo que quando nos deparamos com um “diamante em bruto”, facilmente conseguimos perceber o que está diante dos nossos olhos e qual o seu potencial. A promoção de “novas caras”, que ainda nem sequer estão a ser faladas por outros meios, torna-se uma prioridade para a Chocolate, uma vez que ambicionamos ser sempre os primeiros a comunicar e a dar a conhecer. Não é à toa que uma revista especializada como a Chocolate tem marcado a sua posição ao longo destes anos, como trendsetter e pioneira, a nível de inúmeras matérias, conteúdos, pessoas e tendências.
Atualmente, os “ventos sopram a favor” de uma moda mais sustentável, consciente do meio ambiente que a rodeia e mais proativa perante a sociedade.
Por diversas vezes, já assumiu que a Chocolate é moda e lifestyle, mas também arte, cultura, comportamento. O posicionamento da revista como instrumento de divulgação cultural tem, aliás, a sua assinatura. Que contributos é que a Chocolate pode dar neste domínio?
Pareço um pouco repetitiva, mas não há como não reforçar o posicionamento de uma revista como a Chocolate, que é moda, beleza, lifestyle, sendo todo um universo voltado não só para as mulheres, como também para os homens, que aborda questões pertinentes e atuais, nomeadamente comportamento, educação, sexualidade, informação, saúde, cultura… Temas como “Mindfulness”, “Dieta Paleo”, “Esmagamento dos Seios”; biografias de mulheres que fazem a diferença em Angola, em África e no mundo; artistas angolanos que elevam a bandeira nacional e expõem nas galerias de arte mais conceituadas, entre eles, Nastio Mosquito, no MoMA, em Nova Iorque, têm que ser evidenciados numa Chocolate, que se pretende mais ativa na diversificação e promoção cultural de Angola para o mundo. Temos inúmeros talentos que dão cartas a nível internacional e o nosso papel é apoiar e prestigiar também “os nossos”. O nosso contributo e posicionamento, este ano, tem sido mais incisivo a nível cultural e educacional. Pretendo mostrar, definitivamente, que a moda não é apenas superficialidade, glamour e consumo, mas que também pode passar mensagens mais sérias e pertinentes para a sociedade, sendo o “espelho” e a plataforma da arte e da cultura de qualquer país. Atualmente, os “ventos sopram a favor” de uma moda mais sustentável, consciente do meio ambiente que a rodeia e mais proativa perante a sociedade. Este é o “novo” movimento da moda (no presente e futuro próximo) que, pessoalmente, defendo e acredito que nos leva para um mundo melhor.
Apesar de a ala de Hollywood ditar os cânones perfeitos da eterna juventude, existe um novo nicho de mercado que está a dar cartas na indústria da moda, e não só, com uma beleza mais sábia e madura.
A evolução, o reconhecimento público e a abordagem da lusofonia da Chocolate são fatores de robustez deste projeto editorial que tem vindo a gerar emprego e a servir de escola para quem quer fazer carreira no jornalismo em Angola. O que privilegia no recrutamento de novos profissionais?
Independentemente do currículo de cada candidato, para se fazer parte da equipa da Chocolate é fundamental ter-se um je ne sais quoi, que se resume a uma vontade inabalável de aprender e evoluir dentro da marca. Não interessa ter muitas formações ou mesmo experiência em jornalismo se não se está disposto a “vestir literalmente a camisola”. A equipa é coesa, pequena e polivalente, o que significa que todos fazemos de tudo um pouco, incluindo eu. Humildade, muito trabalho e persistência são premissas que considero fulcrais para a evolução de qualquer profissional, independentemente da área. As oportunidades são criadas, logo, há que agarrá-las e provar porque se merece a posição em detrimento de outra pessoa. Basicamente, é necessário ser-se “especial” (e, evidente, perceber-se de moda também), para fazer parte do team Chocolate.
A Irina é vista como um símbolo de beleza inequívoca. Como define hoje o conceito de beleza? É um produto dos cânones da indústria da moda e dos media? Ou hoje não há cânones para a beleza?
Citando uma das mulheres mais influentes de sempre do universo da moda, Coco Chanel – «A moda não é algo presente apenas nas roupas. A moda está no céu, nas ruas, a moda está relacionada com ideias, a forma como vivemos, o que está a acontecer no momento» –, faço aqui a associação e o paralelismo com a tese de que a moda, atualmente, não tem fronteiras. Os ditos padrões de beleza confirmam que já lá vai o tempo em que as medidas perfeitas 86-60-86 estavam em voga. Mulheres reais invadem as passerelles internacionais e são imagem de marcas de luxo que retratam com mais veracidade um público mais informado e exigente. Temos presenciado uma revolução de mentalidades e quebra de barreiras em relação ao que é belo, tanto na moda como no mundo. Apesar de a ala de Hollywood ditar os cânones perfeitos da eterna juventude, existe um novo nicho de mercado que está a dar cartas na indústria da moda, e não só, com uma beleza mais sábia e madura. Independentemente do marketing agressivo com os melhores anti-rugas, cremes anti-estrias e tantas outras formas de consumo que apelam à perfeição, o movimento de pessoas comuns e reais permanece. Nomes como Joni Mitchell, Catherine Deneuve, Carmen Dell’Orefice (com mais de 80 anos), Kate Moss, Naomi Campbell, entre tantas outras, são exemplos de ovação que mostram que a idade é apenas um número. O imperialismo da juventude está revestido de uma aura descartável e o lugar da beleza madura é sinónimo de diferenciação, realidade e luxo. Aqui, o estilo transcende a idade e permanece eterno. Gosto de exemplificar com mais uma máxima, no caso, de outra criadora, Diane von Furstenberg: «Prefiro ser uma rosa velha que uma rosa de plástico». E de facto identifico-me bastante com esta expressão. Nada como acompanharmos o que está a ser feito, também a nível internacional, para não perdermos a nossa atualidade e, sem dúvida, o progresso. Temos de estar na linha da frente.
No seu futuro: Luanda ou Lisboa?
Sou fruto de ambas, pelo que não há como escolher uma ou outra cidade. Luanda e Lisboa, por todos os motivos e mais alguns, fazem e irão fazer sempre parte de mim. Independentemente de onde vivo, o meu coração está intimamente ligado ao “casamento perfeito” que tenho com Lisboa e Luanda. As heranças culturais do velho e do novo continente fundem-se na identidade que transporto comigo para qualquer lugar onde vá. O meu “palco” é o mundo.
– Produção e Styling : Rania Elawar Cardoso
– Fotografia: Malocha Sanchez
– Maquilhagem e Cabelo: Vânia Beneditta
– Agradecimentos: Doo.Bahr e Boutique Dresstation
Irina Alves
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