Lia outro dia no El País uma entrevista interessantíssma a Antoine Gallimard, o prestigiado editor – uma espécie de decano da edição literária na Europa – há cerca de 30 anos à frente da editora Gallimard, uma das maiores empresas culturais europeias. Das memórias recuperadas à sua infância, Antoine Gallimard recordava ali, entre palavras saudosas, o tempo em que se falava mais de literatura e menos de economia e em que havia um reduto de fiéis leitores que liam três a quatro livros por mês. E não falamos de livros quaisquer. Falamos dos clássicos, das grandes referências da literatura.
A popularização dos ecrãs e a quantidade de informações que hoje é transferida por múltiplos canais, porém, vieram contribuir para atenuar e mesmo anular hábitos de leitura tradicionais, quer na regularidade, quer na qualidade. Mas, para Antoine Gallimard, o livro não concorre com nenhum outro canal. O editor francês chama mesmo a atenção para o facto de o livro ser «tudo o que não é palpável». Por incrível que nos possa parecer esta definição…
São as palavras sábias de quem, para além da linhagem familiar no meio literário, já leva 30 anos ao comando da editora que, no seu catálogo, inclui nomes de reputação inquestionável, caso de Camus, Sartre, Kundera, Duras, De Beauvoir, para enumerar alguns. É a visão de quem se pronuncia a propósito da edição como um trabalho puramente artesanal e que, caso se subjugue a uma lógica industrial, jamais singrará.
Hoje, Antoine Gallimard sabe que edita livros que quase ninguém lê. Perderam-se os costumes, perdeu-se a vontade. Chegaram outros canais, outros conteúdos, instalou-se a imagem, em detrimento da palavra.
Mas que bom é existirem forças da natureza que, como Antoine Gallimard, continuam a pregar a contraciclo e a fazer com que continuemos a ter bons pretextos para revisitar as melhores e mais insuspeitas fontes de sabedoria. As férias que agora chegam serão boas para refletir sobre isto. Perceber que ler, esse ato caído em desuso mas tão valioso (porventura, hoje ainda mais), consiste numa forma de contornar o padrão instalado, resistir, acreditar. É um ato de insubmissão da maior relevância, sem precedentes.
+ Informação Entrevista “El País” a Antoine Gallimard
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