Versão Áudio

Pois às vezes me falta a quem contar

certo dia passado do princípio ao fim

o encanto que tenha realmente

a insistência do vento ao longo da Foz

aquilo que daria (e eu daria tudo) por compaixão

 

Nascemos e vivemos só algum tempo

não temos nada

não podemos mesmo na penumbra

decidir a atenção ou o esquecimento

as forças soçobram como vagos motivos

em público

e em qualquer lugar

 

Por isso sei tão bem o valor

da natureza indiscutível dos teus olhos

onde a luz anota seus aspectos

teus olhos impacientes e irrealizáveis

que me acompanham

agora que sozinho danço

pela cidade vazia

 

(in Ao Porto, Coletânea de Poesia sobre o Porto, Adosinda Providência Torgal e Madalena Torgal Ferreira, Publicações D. Quixote) 

[É o poema que diz tudo. Sobre o que verdadeiramente conta. E o que conta menos mas pensamos que conta mais. Ou o que conta menos, ainda que achemos que conta mais. Sobre o efémero, o superficial e o holofote versus a longevidade do tempo, a densidade e a luz. Do poeta, também cardeal, que possui possivelmente a voz mais original deste nosso tempo.]

 

 

 

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