Sócrates, Buda, Confúcio, Jesus. Para o filósofo alemão Karl Jaspers (1883-1969), estas são as «figuras determinantes, decisivas», a partir das quais se desenrola e estrutura o pensamento da humanidade. O que acontece neste belíssimo ensaio é um diálogo entre os mestres com o leitor e, afinal, um diálogo entre os próprios mestres, que protagonizam a reflexão de Jaspers enquanto modelos do ser humano, para a vida e para a morte. Daí este livro se apresentar como ponto de partida para um «caminho de espiritualidade».

De acordo com o autor, pelo século VI a.C. decorre aquilo a que chama «tempo-eixo», caracterizado por uma «transformação essencial na consciência humana em áreas geográficas distantes e aparentemente sem interferência: Índia, Pérsia, Grécia e Israel». De uma «consciência cósmica» evolui-se para uma «consciência individual e pessoal», o que abriu espaço ao surgimento das religiões universais. «Nesta época constituíram-se as categorias fundamentais com que até hoje pensamos e tiveram início as religiões mundiais das quais os homens ainda hoje vivem».

Conhecido homem de Atenas, com poucas informações públicas sobre a sua juventude, com saúde de ferro, Sócrates faz a apologia do conhecimento a partir de dentro (e não do exterior), por contraponto com uma mercadoria que se adquire e troca. É o autor do diálogo socrático e representa o «estado anterior da filosofia de Platão, o descobridor da via para o conceito». É um exemplo do bem, acima de tudo, contra tudo e todos.

Mesmo não havendo «qualquer texto que reproduza com segurança as palavras de Buda», Jaspers avança com o perfil do líder que em menino gozou da riqueza material do mundo aristocrático. Com 29 anos de idade, porém, abdicou do conforto do seu «solo natal» e seguiu em busca da «salvação por meio da ascese». Da contemplação, ao estilo do «gato que espia o rato». Encontrou a iluminação debaixo de uma figueira, na certeza de que a «libertação é alcançada por meio do conhecimento, o conhecimento por meio da meditação, e esta última é possibilitada pela vida justa». É na imagem do «montanhista» que se inspira.

Confúcio cresceu em dificuldades materiais. Focou-se na sua doutrina no conhecimento da Antiguidade. Não é um inventor, mas um transmissor. Ancorado na aprendizagem. Na escuta. Na observação. Para enraizar a sabedoria. Comporta uma noção muito clara do bem e da verdade. «Quem tem a verdade encontra o certo sem esforço, alcança o êxito sem reflexão», diz. Realça, ainda, que «aquilo que é interiormente verdadeiro toma forma no exterior». «Quem possui o ser interior também possui as palavras». Para Confúcio também não há dúvidas de que quanto mais alto é o poder, mais exemplar e irrepreensível deverá ser o seu portador. E com a convicção profunda sobre estes e outros valores, fundou uma escola para futuros estadistas. No início do século XX, foi formalmente considerado Deus.

Para o homem que evidencia o tormento próprio de cada dia, «o mundo não vale qualquer aflição». Jesus faz a apologia da fé, da crença inabalável. «A singular duplicidade de mansidão e incondicionalidade combativa demonstra-se no modo como Jesus exige a fé». À fé liga a verdadeira liberdade.  

Anselmo Borges, Professor da Universidade de Coimbra que prefacia o livro, lembra-nos que o reconhecimento da importância do tempo-eixo a que Jaspers se refere traduz a evidência de que é aí que começa «qualquer história do pensamento». A nossa, afinal.

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