Maria do Rosário Pedreira é das pessoas – poeta, editora, promotora de novos talentos da literatura, pensadora – que tenho o privilégio de ter entrevistado aqui. Responsável pelo lançamento de escritores que honram o nome do país, como José Luís Peixoto, Valter Hugo Mãe ou Ana Margarida de Carvalho, também ela é autora de reputados títulos, já traduzidos fora de portas.

Entre um romance, duas séries de livros juvenis adaptados à televisão, letras dadas a canções de António Zambujo ou Aldina Duarte e as crónicas diárias no seu blogue que sigo, horas extraordinárias (http://horasextraordinarias.blogs.sapo.pt/), surgem a desconcertar os verdadeiros amantes de poesia três obras paradigmáticas: A Casa e o Cheiro dos Livros (1996), O Canto do Vento nos Ciprestes (2001) e Nenhum Nome Depois (2004). E, quando parecia já dificílimo encontrar qualquer uma das três, eis que surge numa belíssima edição da Quetzal (setembro de 2012) a Poesia Reunida de Maria do Rosário Pedreira, com os três livros juntos e um bónus: um inédito, no final, a cicatrizar as feridas românticas dos anteriores, A Ideia do Fim.

Todos são poemas de amor. Escritos por quem vem lembrar-nos, aliás, gritar-nos ao ouvido, que na relação amorosa persistem a transitoriedade e a itinerância e que, nestes livros, ambas vêm abonadas de uma visão romântica, feminista, mas antiquada, tão antiquada que chega a ser de uma sofreguidão greco-latina, de uma predisposição arcaica para a morte, a morte por amor. Nas palavras de Pedro Mexia, seu prefaciador, um enquadramento da morte que «(…) significa sobretudo uma exasperação do sentimento amoroso».

No seu primeiro livro, A Casa e o Cheiro dos Livros, num registo autenticamente confessional, surge o relato amargurado da interioridade de um casal, vista do mesmo ângulo que observa o quarto onde se amaram, os seus livros, as suas palavras. Palavras, muitas palavras trocadas e escritas nos versos de poemas transcritos. Tudo o que é descrito sobre os livros, porém, é tudo o que se quer transmitir sobre o amado ido, o amor morto. O cheiro da casa e o da cama de que fala são, pois, os cheiros dele. E tudo parece recompor-se nas palavras: «(…) mas trazem a confiança / da cura nas palavras». Mas de repente surge uma «Outra Voz», a do silêncio. A da total ausência do amor. A do «(…) trevo que nunca foi / de quatro folhas». E prevalece, apenas, «(…) um livro para sempre / interrompido sobre a cama». E, mesmo sabendo que «(…) os cheiros tornam os lugares parecidos, confundíveis», a autora sabe que aquele é «(…) o cheiro de alguma coisa que morre (…)».

E nisto surge O Canto do Vento nos Ciprestes, num romantismo levado ainda mais longe, num chorrilho de desabafos amorosos displicentes, implacáveis. Nas palavras amarguradas que dão continuidade ao tom confessional ergue-se uma iminente perda do sentido de viver, resgatada apenas por um resquício que, de acordo com Pedro Mexia, «(…) resgata as palavras do colapso». Maria do Rosário Pedreira revela um amor tão grande, tão grande que «(…) não se deixa dizer (…)». Talvez se diga e cinja única e exclusivamente ao amado: «(…) porque o ar que respiras junto de mim é como um vento / a corrigir a rota do navio. (…)». E fica tão só a ausência do sentir, na presença da morte: «Agora que morri de um amor incurável já não consigo / lembrar o que doeu (…)». E uma certeza: «(…) sei que não voltarei a amar ninguém (…)». E uma constatação: «Tu não me pertenceste (…)». E outra certeza: «Amei-te como na vida se ama uma só vez (…)».

Ao avançar para Nenhum Nome Depois, a poeta apresenta-se com «(…) a vontade de não ter medo do amor (…)», lê-se no prefácio. E vislumbrando que «(…) a lágrima é / uma lente que multiplica a dor (…)». E, assim, parecendo relativizar. Desconstruir. Relegar a dor para o seu real lugar. No passado. Nas palavras já escritas. Não naquelas que irá escrever. E nessa distância chegamos ao livro inédito, publicado pela primeira vez nesta Poesia Reunida, A Ideia do Fim, em que mais do que falar da partida do amante, consegue tranquilamente recordar a sua chegada. Há, neste último livro, uma satisfação declarada, dada ao leitor: «(…) é sempre a ideia do fim que traz / a música certa para os meus versos». E há, também nele, afinal, a reconciliação notória com o amor e a serenidade de quem pode (e pôde) amar de novo.

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