Muito se tem falado, por estes dias, sobre o Irão, a propósito do acordo nuclear histórico. E, a pretexto desse ponto incontornável do globo que ganha volta e meia lugar de destaque na agenda mediática, vale também a pena perdermos uns minutos a pensar sobre a história que se segue.

É de um filme que falo, que rola a microcâmaras. O cineasta é controverso. A geografia é Teerão. Nenhuma das cenas extravasa um único cenário: o táxi de Jafar Panahi, o iraniano proibido de filmar (leia-se: de contar o que os seus olhos veem sobre o Irão). E que, ainda assim, assinou o filme com o mesmo nome do cenário – Táxi –, reconhecido com Urso de Ouro na 65.ª edição do Festival de Cinema de Berlim, decorrida este ano.

A história do filme, que mistura elementos de documentário e ficção, é materializada num conjunto de diálogos a conta-gotas, ocorridos à medida que o condutor (o próprio Jafar Panahi) recebe e transporta no seu táxi passageiros variadíssimos. Com eles, mantém conversas que no final das contas – e aí reside o interesse – tecem um mosaico da sociedade iraniana. Senão vejamos.


Um ladrão de consciência lavada partilha com uma mulher a mesma viagem no táxi e entre ambos surge uma acesa e irónica discussão sobre os limites e a essência, os princípios subjacentes e as penas a aplicar a crimes, para aquele inofensivos e horrendos para esta. Uma mulher desesperadíssima com o marido ferido no colo entra de rompão e grita por uma viagem de urgência até ao hospital mais próximo. Pelo meio, impõe-se uma prova gravada a defender que, em caso de morte do marido, o mesmo lhe confere o direito a receber de herança o seu património. Numa outra viagem, duas mulheres supersticiosas levam com elas um aquário improvisado que coloca em cena umas quantas crenças, ao sabor das quais acaba por perder-se no próprio táxi um porta-moedas que é chave no desfecho do filme. Acrescentam-se um vendedor sui generis de pirataria e uma advogada cujo discurso serve para pôr o dedo na ferida e irromper pelos 20 anos de proibição de filmar e de sair do país, imposta a Jafar Panahi por, alegadamente, fazer “filmes críticos do regime”. Contrários àqueles que, nas palavras da sobrinha do protagonista, também transportada no táxi e com diálogos de uma peculiar perspicácia, são recomendados por uma professora que a desafia a fazer uma curta-metragem parametrizada pelas regras políticas e culturais locais. Afinal, diz Jafar Panahi através das palavras da sobrinha, ninguém estará interessado num filme que as desrespeite…


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Com a quantidade de câmaras que circulam por esse mundo fora e a tendência inevitável para substituir com a objetiva da câmara o próprio olho, já poderiam ter chegado às salas de cinema mundiais outros argumentos filmados de forma doméstica, como este o foi. Mas não quis o autor que fosse a ousadia tecnológica o ponto principal. A interdição aplicada ao realizador, essa sim é desde logo o primeiro argumento do filme. O segundo é revelado nos bastidores de cada tema levado a discussão pelos passageiros: a política nacional, as circunstâncias culturais e religiosas, os costumes locais, a liberdade de expressão e de circulação. Jafar Panahi não conseguiu receber o próprio prémio em Berlim, mas o filme – premiado – ficou feito e chegou ao mundo inteiro.

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