AAssistimos recentemente ao lançamento de um livro, com a chancela da Porto Editora, que é uma espécie de poema gráfico, um grito do Ipiranga, um grito de urgência, uma chamada de atenção para nos determos sobre a mulher. Chama-se Portuguesas – Uma homenagem em 150 retratos, com assinatura masculina, por sinal. De Veríssimo Dias, o homem que retrata 150 mulheres, numa representação gráfica de perfis, disciplinas, idades, geografias, backgrounds, sempre no território do feminino.

Na sessão de lançamento, ocorrida na sede da Altice Portugal, que através da Fundação Altice se associou desde o momento zero ao livro e à causa, tive oportunidade de conduzir uma conversa com algumas das mulheres retratadas, com foco na importância da mulher na sociedade portuguesa. As políticas Rita Rato e Margarida Balseiro Lopes, a automobilista Elisabete Jacinto e a Diretora da Fundação Altice Ana Estelita protagonizaram o debate, num século XXI em que permanecemos a refletir a importância da mulher e continuamos a assistir à introdução de mecanismos de correção da desigualdade.

Ora, a igualdade, um dos principais ideais sociais, procura solução ao longo de toda a nossa história, desde a Grécia Antiga, onde se dá o berço da democracia, mas de uma democracia coxa, que exclui desde logo as mulheres, os estrangeiros e os escravos; o Iluminismo de Rousseau, que se debruça de forma preponderante sobre a desigualdade (e não a igualdade); as revoluções liberais, americana e francesa, que não a resolvem; a Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada no rescaldo da II Guerra Mundial, que lhe dá novo fôlego, mas que não a desfaz. Há, como nos escreve Maria de Belém Roseira no seu prefácio fundamental a este livro, uma distância atroz entre o direito e os direitos humanos. A conversa arrancou com este pontapé de saída, vocacionada para o que se pode acrescentar a um plano legislativo a braços com resistências culturais.

Recuperámos a ideia de que os indicadores do INE continuam a confirmar as mulheres ininterruptamente à frente nas qualificações e nos resultados académicos. Esse avanço não se reflete, porém, de forma equilibrada no acesso a lugares de maior decisão e, no desempenho de iguais funções, mesmo (ou sobretudo) de topo, vemos disparidades. Falámos, à margem desta disparidade, na importância de integrar grupos de trabalho, projetos multidisciplinares, redes de networking paralelamente aos percursos académico e profissional, porque nesse caso a rede de influência será progressivamente maior.

Revisitámos, ainda, uma citação da jornalista e escritora madrilena, feminista acérrima, Rosa Montero: «Que o facto de se ter nascido homem ou mulher não nos feche num estereótipo». Mas, sabemos, a discussão sobre a liderança no feminino e no masculino está, ainda em 2019, repleta de lugares comuns e estereótipos. Lembra-nos, aliás, outro dos prefácios essenciais do livro, assinado por Leonor Beleza, profundo, poético, que há «uma certa ideia do Mundo e dos espaços que ocupamos, do que é esperado do comportamento e do lugar de cada um e de cada uma». Para quem, como Elisabete Jacinto, se notabilizou (para orgulho de todos nós) a fazer o que no padrão comum é o homem que faz, serviu a sua intervenção para, provocações à parte, perceber se a liderança no feminino carece das características do masculino ou o feminino deve de uma vez por todas vingar exatamente como é, mesmo – ou sobretudo por isso – quando se segue em competição ao volante de um “camião”.

No fim, protagonizou a conversa uma referência à escritora italiana Elena Ferrante, já incontornável na literatura contemporânea e que, numa atitude firme e consolidada, advoga diferenças entre mulheres e homens num dos seus livros publicados em Portugal, A Invenção Ocasional: «O “demasiado” de uma mulher produz violentas reações masculinas e, além disso, a inimizade de outras mulheres. O “demasiado” dos homens, em contrapartida, gera admiração e lugares de comando. Depois de um século de feminismo, não conseguimos ser nós próprias até ao fim, não nos pertencemos». Pertence-nos, agora, este olhar treinado de Veríssimo Dias.


Fotografias de Helena Costa

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