Com a relevância que o tema dos refugiados tem e a forma inevitável como entra na agenda mediática internacional, vale a pena espreitar a lista publicada no site do Alto-Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), que elenca os refugiados que «fizeram a diferença e deixaram uma marca no mundo». Estão nessa lista personalidades, umas já falecidas, outras entre nós, de variadíssimas áreas do saber e oriundas dos quatro cantos do mundo.
Do universo da escrita vem desde logo à cabeça o nigeriano Chinua Achebe (1930-2013), escritor, poeta e crítico literário refugiado nos EUA. Debruça-se a sua obra sobre a depreciação do Ocidente dirigida à cultura e civilização africanas, mas vemos nos seus títulos também uma fortíssima posição crítica relativamente a políticas nigerianas. O aclamado Victor Hugo (1802-1885), escritor e dramaturgo, condenou vigorosamente o golpe de Estado de 2 de dezembro de 1851, ocorrido numa França com um pensamento político diferente do seu e que o levou a exilar-se no Reino Unido e na Irlanda do Norte. Milan Kundera (1929-), um dos autores incontornáveis do século XX, trocou a antiga Checoslováquia (atual República Checa) por uma França que lhe valeu residência e uma dupla identidade. Na lista do ACNUR vem também a escritora Isabel Allende (1942-), que fugiu do Chile de Augusto Pinochet em 1973. Na Venezuela deu alento à atividade jornalística e, mais tarde, nos EUA, à escrita. O Nobel da Literatura Thomas Mann (1875-1955), também um dos romancistas de maior peso do século XX, deixou para trás a Alemanha de 1933 para surgir como expatriado numa Suíça que o acolheu e que o viu partir mais tarde para os EUA. O famigerado Vladimir Nabokov (1899-1977),que assinou uma das obras mais badaladas de sempre, Lolita, também se refugiou nos EUA e por isso consta nesta lista do ACNUR.
Noutras áreas do saber, sobressai a cientista política alemã Hannah Arendt (1906-1975), cuja cobertura jornalística do julgamento do nazista Adolf Eichmann, para a The New Yorker, ficou entre outros dos seus célebres títulos na memória histórica e política internacional. É também incluído nesta lista o Prémio Nobel de Física Albert Einstein (1879-1955), tal como Hannah Arendt de origem judaica. Outros nomes surgem a pontuar a música, como o polaco Frédéric Chopin (1810-1849), que deu aos oito anos de idade o seu primeiro concerto público e deixou ao longo da sua curta vida contributos inigualáveis no piano. Marlene Dietrich (1901-1992), a conhecida atriz e cantora alemã, o original músico brasileiro Gilberto Gil (1942-) e, ainda na lusofonia, o político timorense José Ramos Horta (1949-).
Estes são exemplos das qualidades e competências artísticas em potência que tantas vezes vieram agregadas a tantos refugiados, a quem não foi dada outra hipótese, senão a de galgar fronteiras para um reencontro possível com a própria identidade e a afirmação de formas de pensar que viriam, muitas vezes, até, a mudar o mundo. A meu ver.
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