Mercado de trabalho que exige hoje novas competências
O trabalho assalariado tornou-se o principal canal de apropriação de rendimentos e um indicador de reconhecimento do indivíduo pela sociedade/comunidade em que se insere. E, sendo as entidades empregadoras e as especificidades do trabalho dos nossos dias tão diferentes, surgem novas exigências colocadas a quem emprega e a quem é empregado, as quais são mesmo hoje muitas vezes mais discriminatórias do que o contrário. Verificam-se, por exemplo, entre mulheres e homens em exercício de funções equivalentes, situações de desequilíbrio nos enquadramentos de carreira e estatutos remuneratórios. Segundo dados de 2015 do Eurostat, por cada 100 euros ganhos por um homem, em remuneração média/mês, cada mulher ganha 78 euros. Aliás, a manter-se o atual ritmo de evolução, é expectável que dentro de dois séculos sejam a este nível esbatidas as principais desigualdades. As exigências atualmente colocadas ao mundo do trabalho são, porém, mais amplas do que o género…
São vários os desafios que as organizações mundiais enfrentam no que toca ao talento e ao seu impacto na competitividade e no desempenho económico. São hoje questões estruturantes a integração de diferentes gerações e culturas, o acolhimento de millennials, os efeitos da mecanização, a valorização de competências-chave para a mudança e novos segmentos de negócio. Ora, acresce a esta diversidade de fatores a evidência de que há uma predominância do emprego sobre o trabalho. O fordismo que Charlie Chaplin retratou no filme Tempos Modernos, no início do século XX, veio dar-nos a perceção da padronização e rotinização de tarefas, desagregadas de qualquer estímulo intelectual. Hoje, com a tendência para a automatização de múltiplas funções, muitas profissões existem já à beira da crise, não porque enderecem imediatamente a probabilidade de desemprego, mas porque estão indexadas a funções que a breve trecho se substituirão por máquinas. António Guerreiro, autor do artigo “O trabalho e as novas figuras da luta de classes”, publicado também na edição mais recente da revista XXI – Ter Opinião, recorda: «(…) prevê-se que nos próximos anos desapareçam em todo o mundo mais de 140 milhões de empregos cognitivos». Deixará então de haver espaço para a criatividade, a reflexão crítica, o pensamento, a transformação… E então perguntamos: serão os robots capazes de assumir estas valências?
É de quotas que queremos mesmo falar?!
Mediante o olhar sobre a história, percebemos que mesmo as reivindicações mais profundas, aclamadas no berço da civilização democrática, nas revoluções liberais mais paradigmáticas ou nas considerações da Declaração Universal dos Direitos Humanos, não fomentam uma total integração da diferença. O mesmo é dizer que não são um garante de igualdade, por não terem na prática qualquer reflexo da abordagem teórica em que assentam. Por isso surge a inequívoca necessidade de enraizar mecanismos e fórmulas de compensação da discriminação, para forjar uma mais rápida evolução da sociedade num campo que demorará, pela via natural, uma eternidade a alcançar resultados. Ora, é nessa ótica que é enquadrada a discussão cada vez mais recorrente sobre as quotas. As quotas, porém, poderão ganhar relevância na medida da sua natureza política, enquanto manifestação da responsabilidade estatal e social. Elas são referidas em alusão às mulheres, mas existem na prática desde que a Grécia Antiga se estabeleceu e remetem para o caráter representativo dos sistemas democráticos. Também na Grécia Antiga são encontradas evidências de quotas enquanto ferramenta de distribuição de lugares.
Na verdade, as quotas surgem então em função da defesa e da preservação de interesses indexados a grupos específicos, tipicamente minorias. Ora, as mulheres não constituem qualquer grupo ou setor. Elas marcam presença em todos os grupos, em toda a sociedade, transversalmente. Assim como os homens. E esta predominância da diversidade denota uma maior substância do que a representatividade parcial dos pequenos grupos e minorias ou, claro, do próprio género. Além disso, uma instituição, a representar globalmente o interesse da sociedade no seu todo, carece da predominância da diversidade e, como tal, da integração de mulheres e homens, diferentes gerações, raças e níveis culturais. Daí Regina Tavares da Silva, autora do artigo “Falemos em paridade em vez de quotas”, outro ainda publicado na XXI – Ter Opinião, defender uma abordagem assente no conceito de paridade, em detrimento das quotas.
Para a desigualdade que não desenraíza, chamemos a cultura
Apesar de todos os esforços legislativos e sociais, a desigualdade é ainda uma realidade viva em pleno ano de 2017. No limite, porque a linha subtil que permanece por detrás desta ampla reflexão nos leva, invariavelmente, ao poder. Será de poder e hierarquia que falamos enquanto continuarmos a identificar índices aterrorizadores de desigualdade. Talvez possa haver, todavia, um enquadramento possível para desenraizar a desigualdade tão implacável.
Já foram apontados vários desígnios ao século XXI, mas há um que parece ser verdadeiramente relevante e determinante: a cultura, no seu sentido mais amplo. Aliás, o conceituado autor francês Alain Touraine diz-nos mesmo que os grandes desafios do século XXI são culturais, assentes em reivindicações culturais. A cultura, de resto, vem colocar no sítio certo os fatores da desigualdade que hoje continuam a assolar as sociedades, mesmo as mais desenvolvidas. A cultura terá, pois, papel nevrálgico na construção da igualdade e no seu alicerce fundamental, a diversidade. Preparada para acolher a diferença do outro. Mas o caminho continuará a ser longo.
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