O tradutor, escritor e ensaísta Frederico Lourenço está de parabéns. Acaba de receber o Prémio Pessoa 2016. E está ainda de parabéns a instituição que este prémio representa, porque ao atribuir o galardão a Frederico Lourenço celebra um tributo à vertente da cultura que encerra em si grande parte da nossa história e identidade: a bibliografia clássica. Premiar Frederico Lourenço neste contexto é, pois, enobrecer a literatura clássica. E isso, nos dias que correm, é tão exíguo, senão inexistente…

Quando Frederico Lourenço revela a sua profissão – professor de grego – é muitas vezes confrontado com a interrogação: «para que serve tal atividade?». E se antes respondia que não servia para nada, hoje responde convictamente que serve para tudo. Desenvolveu as competências necessárias e adquiriu as ferramentas para se lançar na hercúlea tarefa de interpretar os consagrados poemas de Homero, Ilíada e Odisseia, cujas traduções depositou para edição nas mãos do saudoso editor da Cotovia, André Jorge. Nestes últimos anos, em acréscimo, Frederico Lourenço dedicou-se pela Quetzal à tradução da Bíblia – outra peça fundamental e fundadora da literatura – a partir do grego antigo. São argumentos de sobra a sustentar o veredicto do júri desta edição do Prémio Pessoa.    

Tolentino Mendonça, num belíssimo artigo publicado este fim de semana na revista do Expresso sobre a «espécie de milagre» que Frederico Lourenço é, recorre a um conjunto de razões fundamentais que ajudam a lembrar a importância dos clássicos. Destaco a sua menção a uma grande senhora da literatura: Virginia Woolf dizia que «é ao grego que voltamos quando nos cansamos do modo vago e confuso da nossa época». Tolentino Mendonça avança e alega que o «grego antigo sabe ainda mais de nós que nós próprios». E o próprio Frederico Lourenço, citado por Tolentino Mendonça, explica que «há apenas duas razões para aprender grego. Dá prazer. Alarga». E tanto que isso é.

Também por estes dias, um outro português com obra literária, José Luís Peixoto, foi o vencedor do Oceanos – Prémio de Literatura em Língua Portuguesa, organizado pelo Itaú Cultural, no Brasil. O seu romance Galveias, que retrata a interioridade de um Alentejo onde o autor nasceu, evidenciando a diversidade, profundidade e amplitude de um país retangular à beira mar posicionado, foi a obra visada neste prestigiante prémio.     

E no passado dia 10 de dezembro, se por um lado tivemos para aplaudir Bob Dylan, que por interposta pessoa recebeu o Prémio Nobel de Literatura, por outro lado recebemos uma notícia que me parece merecer tamanha atenção: o espólio de Saramago foi, nesse dia que decorriam 18 anos da atribuição do seu Nobel, doado à Biblioteca Nacional. O mesmo é dizer que passou a estar acessível a todos nós. Que privilégio.

Também neste último dia 10, e consecutivamente desde 2011, o Instituto Moreira de Salles, guardião do acervo da incontornável Clarice Lispector, celebrou “A Hora de Clarice” em simultâneo no Brasil, nos EUA e em França, num movimento cultural único a homenagear a escritora sem cânones, que nesse dia festejaria o seu aniversário. Bem sei que os locais escolhidos são algumas das cidades onde Clarice viveu. Mas que bom seria ter também em Lisboa uma hora que fosse de Clarice. Seja como for, temos por estes dias razões mais do que suficientes para festejarmos aquilo que somos.

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